Nunes x Boulos: 'Vingadores' de Marçal escolherão futuro prefeito de SP
Por Bernardo Mello Franco / O GLOBO
No início de sua ascensão meteórica, Pablo Marçal afirmou que o 6 de outubro, data do primeiro turno, seria o “Dia da Vingança”. O coach não venceu a eleição, mas seus seguidores terão o poder de escolher o novo prefeito de São Paulo. Com estilo histriônico e discurso agressivo contra tudo e contra todos, o outsider do PRTB recebeu 1,7 milhão de votos — equivalentes a 28% dos válidos.
Esse exército de revoltados e desiludidos com a política será o fiel da balança no segundo turno entre Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL). Os vingadores de Marçal se encantaram com um candidato que produziu factoides em série e afrontou todas as regras de uma disputa civilizada.
O coach avacalhou os debates, insultou os adversários, espalhou acusações falsas. A cada baixaria, subiu um pouco mais nas pesquisas, para desespero de políticos e marqueteiros dos grandes partidos. Marçal bagunçou a disputa com um discurso que misturou retórica motivacional, apelo religioso e técnicas do entretenimento para capturar atenção nas redes.
A receita foi embalada em bandeiras bolsonaristas como o anticomunismo, a oposição à “ideologia de gênero” e a cruzada contra o ministro Alexandre de Moraes. Mas isso não convenceu o ex-presidente a romper o acordo com o atual prefeito.
Em tese, os eleitores de Marçal seriam mais propensos a votar em Nunes do que em Boulos. O emedebista é um político conservador, tem apoio formal do ex-presidente e entregou a vice a um coronel da Rota. O psolista foi escolhido pelo presidente Lula e carrega a pecha de radical por sua militância no MTST.
Dividida entre Nunes e Marçal, a direita somou quase 60% dos votos no primeiro turno. A questão é saber o quanto a ideologia pesou na escolha dos seguidores do coach. Em pronunciamento ontem à noite, Boulos esboçou um discurso para tentar fisgar parte dos eleitores de Marçal. Disse que “a enorme maioria do povo votou pela mudança”.
Isso equivale a contabilizar os votos do primeiro turno de outra forma: os 29,5% do atual prefeito contra os 70,5% que se espalharam entre candidatos de oposição. É improvável que essa conta convença a maioria dos seguidores de Marçal, uma tropa que nutre ódio à esquerda e abraçou o coach como uma espécie de filho bastardo de Bolsonaro.
Para Boulos, resta disputar outra fatia dos eleitores do outsider: a dos revoltados que teclaram o 28 para se vingar do sistema que ele diz combater. Gente que escolheu Marçal como voto de protesto — uma versão moderna do Cacareco, o rinoceronte que “venceu” a eleição paulistana para vereador em 1959.