Disputa em SP espelha multiplicação da direita e dá chance de redenção à esquerda
Bruno Boghossian / FOLHA DE SP
As eleições municipais nos grandes centros deram à direita uma demonstração de vigor num momento em que esse campo parecia ameaçado por uma fratura. A divisão ocorreu, mas havia eleitores suficientes dispostos a comprar mais de um produto do mesmo grupo.
A disputa em São Paulo, em alguma medida, foi a amostra mais vistosa de um fenômeno que marcou corridas em outras capitais e grandes municípios. Em determinadas praças, o bolsonarismo oficial foi às urnas com personagens radicais e foi desafiado por candidatos de direita com embalagens moderadas. Em outros casos, o contrário ocorreu.
A capital paulista deu espaço para só uma dessas opções no segundo turno, não sem deixar claro que personagens com o embrulho da direita poderiam ser a escolha de quase 60% dos eleitores.
O quadro da disputa exibiu uma consolidação da direita como preferência majoritária ou prioritária do eleitorado em importantes centros urbanos, que concentram populações expressivas e, em muitos casos, servem de motores regionais para grupos políticos.
Em cidades com DNA claramente conservador, o desenho apareceu de forma ainda mais nítida. Goiânia e Curitiba, por exemplo, terão segundos turnos formados exclusivamente por candidatos de direita. Bolsonaro estará com os mais radicais.
A experiência da divisão interna oferece à direita algumas vantagens e um punhado de dilemas. A diversificação de candidaturas deu ao grupo, por exemplo, a oportunidade de renovar algumas lideranças –como no caso de Fortaleza, onde o bolsonarista de primeira geração Capitão Wagner (União Brasil) foi substituído por André Fernandes (PL).As fraturas ficaram expostas, e o comportamento dos líderes políticos ainda vai determinar como se dará a calcificação desse esqueleto.
O susto provocado por Pablo Marçal (PRTB) e o sucesso de candidatos mais estridentes tendem a dar um incentivo adicional a Bolsonaro e outros personagens para replicar dessas técnicas. A fabricação de personagens moderados e a aliança com produtos do centrão, como Ricardo Nunes (MDB), se tornam mais arriscadas.
O contrapeso pode ser apresentado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que bancou a candidatura de Nunes e tem uma chance de acompanhá-lo até a vitória.
A multiplicação da direita reduziu ainda mais os espaços de uma esquerda que entrou na eleição desacreditada e saiu enfraquecida.As vitórias de João Campos (PSB) e de outros não petistas mostram que há caminhos alternativos. A ida de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno evitou um fracasso completo e manteve uma porta aberta, ainda que pareça estreita a esta altura, para uma redenção.
A vitória de Lula (PT) em 2022, com um impulso importante de cidades como São Paulo e Porto Alegre, acabou se tornando um ponto de contraste para o mau desempenho de candidatos de esquerda mesmo em capitais do Nordeste e para uma derrota amarga em Teresina, onde a vitória era dada como certa.
A relativa dificuldade de penetração desses partidos nas grandes cidades, especialmente nas periferias, reforça a fragilidade de suas marcas, as dificuldades de renovação e uma desconexão com um eleitorado que parece cada vez mais confortável em sair às ruas com um figurino conservador.