Fratura na direita: entre desembarques e alfinetadas, expoentes do bolsonarismo se dividem entre Nunes e Marçal
Por Samuel Lima, Hyndara Freitas e Fernanda Freitas— São Paulo e Angra dos Reis (RJ) / O GLOBO
O desembarque bolsonarista da campanha do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em direção a Pablo Marçal (PRTB) se acentuou na reta final da campanha, com as pesquisas mostrando que o ex-coach se mantém competitivo. Marçal aparece tecnicamente empatado na liderança com o emedebista e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), o que coloca em risco a presença de qualquer um deles no segundo turno. O prefeito, por sua vez, conta com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que alfinetou seu adversário em live na terça-feira — embora permaneça distante —, o apoio de líderes evangélicos críticos a Marçal, além do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), presença assídua em agendas de rua.
A narrativa de que Marçal representaria melhor os princípios da direita do que Nunes ganhou peso, nos últimos dias, com acenos de Nikolas Ferreira (PL-MG), Marco Feliciano (PL-SP) e Ricardo Salles (Novo-SP), deputados que fazem parte do núcleo mais fiel ao ex-presidente no Congresso e que contam com milhares de seguidores nas redes sociais.
Feliciano divulgou vídeo na terça-feira declarando voto no ex-coach, de quem diz ser amigo, e alegando que o candidato estaria sendo perseguido por “políticos e religiosos”. A gravação foi compartilhada pelo candidato do PRTB nas redes e em grupos de voluntários da campanha no WhatsApp.
— Eu sou aliado, mas não sou alienado. Sou livre para pensar e apoiar quem eu desejar e espero que me respeitem por isso, é a democracia — disse o deputado.
Evangélicos divididos
O discurso é oposto ao do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que desde o 7 de Setembro ataca o ex-coach quase diariamente. Responsável pelas duas manifestações bolsonaristas realizadas este ano na Avenida Paulista, Malafaia passou a dizer que o empresário seria um “farsante” e tenta manipular os evangélicos.
Além da cena de Marçal no dia do protesto, quando chegou atrasado e disse ter sido barrado no trio, pesam contra ele vídeos antigos em que associa, por exemplo, a cobrança do dízimo a um entrave para a prosperidade. Especialistas apontam que o empresário, de certa forma, afronta as grandes lideranças religiosas ao tratar a espiritualidade como “lifestyle”, e não propriamente um vínculo a uma igreja por meio da participação ativa nos cultos.
Já o apoio de Nikolas veio no final de semana, quando declarou nos seus perfis nas redes que “prefere dar uma chance para a dúvida (Marçal)”, do que “engolir esse cara (Nunes)”. O parlamentar tentou convencer seus seguidores a desistirem do prefeito dizendo que ele conciliou um “bando de vagabundos que sempre lutaram contra a gente” na coligação do MDB, formada por 12 partidos.
Marçal já havia publicado uma foto de Nikolas Ferreira “fazendo o M” com as mãos em cima do trio no 7 de Setembro, mas o deputado desautorizou posteriormente o uso da imagem e disse que o gesto havia sido descontextualizado em meio a gritos do público.
Anteriormente, Marçal já havia recebido o apoio público de bolsonaristas como o senador Cleitinho (Republicanos-MG) e os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP), André Fernandes (PL-CE) e Zé Trovão (PL-SC).
Para Filipe Sabará, articulador político da campanha de Marçal, esse movimento tardio está ligado tanto ao distanciamento de Bolsonaro da campanha de Nunes quanto à proximidade da votação, quando os partidos já cumpriram os acordos de financiamento, espaço de propaganda e outros recursos com seus filiados e não oferecem mais tanto risco de represálias aos aliados.
Um exemplo do distanciamento de Bolsonaro com Nunes ocorreu na terça-feira, quando o ex-presidente rodou pelo interior do estado, em municípios como São José dos Campos, Tatuapé e Guaratinguetá, mas não dedicou espaço na agenda para aparecer ao lado de Nunes na capital paulista antes de rumar para o Rio. Na terça-feira, tampouco mencionou apoio ao emedebista na primeira de suas lives de véspera de eleição.
Na quarta-feira, ao ser questionado sobre um eventual empenho na candidatura de Nunes nesta reta final, Bolsonaro desconversou:
— Deixa para depois — disse, em agenda em Angra dos Reis, na Costa Verde.
Na curta passagem por São Paulo, Bolsonaro chegou a receber pedido direto do governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para que participasse com mais afinco da campanha a fim de evitar um crescimento de Marçal. Os dois se encontraram para um café durante escala de do ex-presidente no Aeroporto de Guarulhos.
Na transmissão ao vivo de terça-feira, as únicas menções de Bolsonaro à eleição de São Paulo foram para defender o voto na vereadora Sonaira Fernandes (PL) e quando alfinetou a proposta de Marçal de oferecer vídeos de apoio a candidatos em troca de doações de R$ 5 mil para a campanha, abandonada depois que rivais anunciaram a intenção de judicializar o caso. Em tom de ironia, o ex-presidente disse que não cobra nada para fazer o mesmo.
Bronca nos bastidores
Conforme informou a colunista Malu Gaspar, Bolsonaro distribuiu broncas entre aliados nos bastidores, alertando que apoiar Marçal é correr o risco de dar a prefeitura a Guilherme Boulos. O psolista aparece em vantagem contra o ex-coach nas prévias de segundo turno divulgadas pelos principais institutos de pesquisa.
Publicamente, a cobrança é mais delicada porque o cenário eleitoral é considerado incerto. A mais recente pesquisa Quaest, divulgada na noite da segunda-feira, preocupou aliados do prefeito porque não mostrou o crescimento que vinha sendo esperado para a reta final, ao mesmo tempo em que apontou para uma estabilização das intenções de voto em Marçal.
Segundo interlocutores, Nunes já havia desistido semanas atrás de ter a companhia do ex-presidente em agendas ou na gravação de programas para o horário eleitoral. O papel de atrair Bolsonaro ficou a cargo de Tarcísio, que não conseguiu convencer o ex-titular do Palácio do Planalto a entrar de cabeça na eleição paulistana.
Já em relação ao afago de bolsonaristas a Marçal, fontes ligadas a partidos mais à direita da coligação avaliam que isso é motivado por cobranças diretas dos eleitores nas redes sociais, e que impacta sobretudo aqueles políticos que têm uma maior atuação no meio digital e maior apelo por engajamento — um trunfo que Marçal tem e Nunes, não.
Com o apoio explícito vindo à tona, Malafaia rebateu o deputado mineiro, dizendo que o político de primeiro mandato “nem tirou as fraldas da política” e estaria desrespeitando Bolsonaro.
Salles, por sua vez, escancarou a preferência por Marçal ao organizar um jantar na sua casa na terça para apresentá-lo a cerca de 130 empresários, segundo ele. O evento fechado também teve a presença do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP) e de pessoas próximas ao governo Tarcísio de Freitas, como o empresário Nelson Santini, irmão do assessor especial do governo Vicente Santini, e Antonio Julio Junqueira de Queiroz, ex-secretário estadual de Agricultura.
Rifado pelo PL da disputa por duas vezes, Salles acabou liberado pelo presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, quando já não tinha mais condições de concorrer a prefeito por conta dos prazos da Justiça Eleitoral. Ele se filiou ao Novo, que tem como candidata em São Paulo a economista Marina Helena.
Durante ato na Paulista, o deputado foi flagrado com um boné do “M”, símbolo de campanha de Marçal, no bolso. Ele relatou depois ao GLOBO que o candidato teria cedido pessoalmente o objeto e, em tom de brincadeira, não quis revelar para quem iria o seu voto no dia 6 de outubro. Sinalizou, no entanto, que o Novo escolheria Marçal em vez de Nunes em um eventual embate entre os dois no segundo turno.