Eleições municipais: muito além da zoeira paulistana
Por Miriam Leitão / O GLOBO
A lógica de uma eleição municipal vai muito além do barulho que se ouve em São Paulo. Existe uma correlação entre os prefeitos bem avaliados e as intenções de voto. Alguns governadores também estão desempenhando um papel decisivo. No entanto, essa conexão com outras eleições ocorre de maneira diferente do que se imagina. O cientista político Felipe Nunes, da Quaest, avalia, à luz dos dados dos pleitos passados, que dificilmente a escolha nas cidades é um indicador do que acontecerá na presidencial. Mas, até 2018, era possível constatar uma correlação de 90% entre o desempenho nas municipais e a disputa seguinte para a Câmara dos Deputados.
Neste tipo de eleição, a tomada de decisão dos eleitores mistura desejos do morador da cidade com escolhas de outros campos de interesse. É muito mais do que essa sucessão de agressões verbais e físicas vista na maior cidade do país. Pablo Marçal tem capturado a atenção usando truques surrados e, infelizmente, eficazes de exposição na imprensa. Ele mirou o engajamento nas redes sociais, e conseguiu muito mais. Se forem medidos os centímetros e minutos dedicados a Pablo Marçal pelo jornalismo profissional ficará comprovado que é o candidato da eleição municipal que tem tido o maior volume de atenção, mesmo sem qualquer ideia que fique de pé. É uma pessoa nefasta para a democracia, mas nem a Justiça Eleitoral nem a imprensa têm o antídoto certo. O país está caindo nas mesmas armadilhas montadas pela extrema direita em 2018. Mas o que são, afinal, as eleições municipais?
— São “quasi-referendos” de governos nacionais, mas não permitem antecipar os resultados das disputas presidenciais subsequentes — diz Felipe Nunes.
Os números impressionam. Em 1988, o PSDB tinha 18 prefeituras. Na eleição de 2000, na metade do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, o partido fez 990 prefeituras. O PT, saiu de 187 prefeituras em 2000 e, em 2012, no auge do seu poder, chegou a 637, vencendo inclusive em São Paulo. Só que as eleições municipais não predizem o que acontecerá na disputa presidencial seguinte. Em 1994, os partidos que tinham mais prefeituras eram o PMDB e o PFL, mas o vencedor da eleição foi Fernando Henrique, do PSDB. Na eleição de 2002, o PMDB era o maior partido em números de prefeituras, seguido pelo PFL, e quem ganhou foi o PT.
— As eleições municipais são, no entanto, excelentes termômetros do clima eleitoral para a Câmara dos Deputados dois anos depois. Até 2018, encontramos uma forte correlação entre a votação de prefeitos e vereadores e a votação de deputados federais na eleição seguinte, que podia chegar a 90%. Os dados das capitais sugerem uma consolidação de partidos de centro e centro-direita como protagonistas na Câmara — considera Felipe Nunes.
Ora direis, olhar os números. Pois é. Sem eles é difícil entender o que se passa na eleição de 2024, ficaremos apenas nas cadeiradas, murros em publicitários e punhos de falso gesso. É de 90% a correlação entre a avaliação dos prefeitos e as intenções de voto. E isso explica o que acontece no Recife, no Rio de Janeiro, em Maceió, Salvador, entre outras. Reforça um lado dessa escolha, que é o do síndico da cidade.
Os governadores têm influência? Em alguns casos, sim. A campanha em Belém, em 31 de agosto, parecia assustadora para a capital da COP30. Estava na frente um candidato negacionista da mudança climática, o delegado Eder Mauro do PL, com 23%. O governador Helder Barbalho entrou de cabeça em favor de Igor Normando, do MDB, que estava com 21%, e, na pesquisa de 21 de setembro, ele atingiu 42%. Seu oponente oscilou para 21%.
Acontece o mesmo em Goiânia, com o apoio do governador Ronaldo Caiado a Sandro Mabel e em Campo Grande com o governador Eduardo Riedel em campanha por Beto Pereira. A mesma situação é vista em Manaus, em que o governador Wilson Lima sustenta Roberto Cidade, em Curitiba com Ratinho Jr. na campanha de Eduardo Pimentel e até, em certa medida, com o apoio do governador Tarcísio de Freitas ao prefeito Ricardo Nunes.
Há uma tentativa no país de colocar grupos eleitorais complexos e pulverizados em categorias que não as comportam. Por exemplo, os evangélicos. O fato de um estridente líder evangélico berrar em cima de um palanque seu ódio ao próximo, não significa que os crentes vão segui-lo, porque esse grupo eleitoral é diverso, como todos os outros. Há muito mais entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.