Polarização política cobra preço cada vez mais alto na forma de violência
Por Editorial / O GLOBO
O candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou perto de ser alvo de uma nova tentativa de assassinato neste domingo. Desta vez, as autoridades frustraram o atentado e prenderam o suspeito, que chegara armado de fuzil a cerca de 400 metros de onde Trump jogava golfe numa de suas propriedades na Flórida.
Na tentativa anterior, em julho, Trump foi atingido por um tiro de raspão enquanto discursava em comício na Pensilvânia. Nas duas ocasiões, os agentes do serviço secreto responsáveis pela segurança falharam na proteção do candidato, deixando Trump exposto a risco.
Virou lugar-comum citar a facilidade de acesso a armas nos Estados Unidos para explicar esse tipo de ocorrência. Mas há outros fatores em jogo. Os Estados Unidos são um país afeito à violência política — dos 46 presidentes americanos, dez foram alvo de ataques e quatro foram mortos no cargo. Também não é a primeira vez que desequilibrados se valem da violência na expectativa de ganhar os holofotes. Mesmo assim, é notável que tenha havido duas tentativas contra o mesmo candidato em período de tempo tão curto.
A razão mais provável para isso está nas características não apenas da atual campanha eleitoral, mas da própria sociedade americana. O surgimento de Trump coincidiu com o agravamento da polarização política. Num país radicalizado ao extremo, cada lado passa a ver o outro como inimigo a eliminar, e não simplesmente como adversário a derrotar nas urnas. Ambos os lados se satanizam e despertam esse tipo de ódio. Cria-se um caldo de cultura propício a que mentes desajustadas, com algum grau de desequilíbrio emocional, tentem transformar o discurso em atos violentos.
Foi o caso do operário da construção civil Ryan Wesley Routh, de 58 anos, suspeito preso depois do ataque frustrado. Como no caso dos disparos contra Trump em julho, não há até o momento evidência de que ele não tenha agido sozinho. No arbusto em que se escondia, foi encontrada, além do fuzil, uma câmera de fotografia e filmagem para registrar o feito, prova da busca doentia pela fama que move certa classe de assassinos.
É evidente que não pode haver nenhum espaço nem tolerância com a violência num regime democrático. Qualquer agressão a candidatos — ainda mais uma tentativa de assassinato — precisa ser repudiada com energia, como atentado contra a própria democracia. Mas há um recado adicional no episódio.
Não se trata de culpar a vítima, mas o ódio destilado por Trump em seus discursos, combustível da polarização, acabou por insuflar a invasão do Capitólio e pôr em risco a democracia americana. Agora, ele próprio se tornou alvo. Além de substituir o necessário debate entre ideias e propostas políticas por um choque de narrativas e teorias conspiratórias, a polarização também cobra preço cada vez maior na forma de violência.