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ESTADÃO / POLÍTICA EDVAR RODRIGUES XIMENES EDVAR RODRIGUES XIMENES Minirreforma eleitoral cria ‘farra dos panfleteiros’ e abre brecha para aliviar punição a políticos

Por Levy Teles / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA — Mesmo após discussões internas e protestos de partidos e organizações de transparência eleitoral, o texto definitivo do projeto da minirreforma eleitoral manteve trechos que abrem brechas para que candidatos que praticaram compra de votos ou que realizaram gastos ilícitos durante a campanha possam não ter o mandato cassado. A proposta também permite que candidatos possam fazer subcontratações durante a campanha, sem prestar contas de quem recebeu o dinheiro.

 

Um dos artigos estabelece que candidatos não precisarão informar dados sobre pessoas subcontratadas por empresa terceirizada que prestará serviços na campanha. Com isso, não é possível saber quem foi contratado, como os funcionários atuaram e quais os valores foram repassados, o que abre brecha para a distribuição de recursos sem controle. A iniciativa, fatiada em dois projetos de lei, deverá ter a urgência votada ainda nesta terça-feira, 12, para ir a plenário na quarta-feira.

 

A medida faz com que a Justiça eleitoral e órgãos fiscalizadores deixem de ter acesso a quais foram os funcionários contratados, onde e quando trabalharam e que função desempenharam. “É a farra dos panfleteiros”, disse Arthur Mello, coordenador de advocacy do Pacto Pela Democracia. “Isso pode facilitar a compra de votos, uma vez que não vai haver a documentação de quem foram os subcontratados para desempenhar o serviço.”

 

Como mostrou o Estadão, o texto cria uma outra opção de punição para político que comprar voto, porém mais branda: pagar multa que varia entre R$ 10 mil e R$ 150 mil. Caberá ao juiz eleitoral fazer a avaliação e definir a pena segundo a gravidade do caso.

 

No texto que trata da compra de votos, a mudança foi sutil. A irregularidade na lei atual prevê duas punições que se somam: cassação do diploma e multa. A conjunção “e” foi substituída, no novo texto, pela “ou”. Assim, o candidato que for condenado pela compra de votos pode ser multado ou perder o diploma de eleito. No outro caso, agora a Justiça eleitoral poderá só aplicar a sanção financeira ao infrator. Organizações de transparência eleitoral criticam a medida.

 

Como também mostrou o Estadão, a minirreforma poderá afetar a gestão de recursos para candidaturas negras, abrindo margem para que os partidos possam manejar o recurso como quiserem. A jurisprudência do TSE fala que o repasse há de ser proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% dos recursos devem ser destinados ao grupo. Na minirreforma eleitoral não há referência sobre o valor a ser destinado para pleitos raciais.

 

Na reunião interna dos integrantes do grupo de trabalho que ocorreu na segunda-feira, o PSOL protestou pedindo a alteração do texto. Na versão final enviada na manhã desta terça-feira, 12, o trecho não passou por nenhuma mudança.

 

A presidente do Grupo de Trabalho é Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que teve o mandato cassado em 2016, e o relator é Rubens Pereira Júnior (PT-MA). A proposta acelerou na Casa em poucos meses porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deseja que a nova lei possa valer para as eleições municipais de 2024. Para isso, o texto precisa ser sancionado até o dia 6 de outubro de 2023. Caso aprovada, irá ao Senado.

 

Organizações da sociedade civil que atuam no campo do combate à corrupção eleitoral e da transparência dos pleitos afirmam que o acelerado debate não foi feito em tempo apropriado e precisa passar por mais discussão entre o público. O Pacto Pela Democracia, assim como o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral, é uma das organizações que pretendem recorrer caso a proposta avance. “Caso ela venha a avançar e tramitar nas duas casas, iremos tomar as medidas cabíveis para que esse tipo de passo para trás, esse retrocesso na transparência, não seja aplicado nas eleições”, afirmou Arthur Mello. Para ele, a minirreforma “causa dano à integridade eleitoral, à participação eleitoral e à democracia”.

 

As alterações feitas entre nesses dois dias foram mínimas. Como exemplo, foi incorporado um trecho que permitia anúncios políticos sem limite de tamanho. Agora, a nova passagem diz que não há limitações para propagandas políticas em adesivos plásticos colados em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que “não produzam efeito de outdoor”.

 

Outro trecho, que criava a possibilidade de que uma chapa que cometeu fraude de gênero não fosse punida, também foi removido.

Veja os principais pontos da minirreforma:

Flexibilização na transparência

 

Projeto veda aos candidatos apresentarem dados sobre subcontratados em caso de compra de serviço de empresa terceirizada. Órgãos de controle não saberão quem foi contratado, qual a função desempenhada ou quanto trabalharam. Organizações de transparência eleitoral, como o Pacto Pela Democracia, apontam que o texto abre espaço para a compra de votos.

Brecha para para não cassar diploma em caso de compra de voto e gasto ilícito na campanha

Uma nova redação na legislação eleitoral abre a oportunidade para que a Justiça eleitoral apenas aplique uma multa entre R$10.000 e R$ 150.000 para quem, comprovadamente captar ou gastar ilicitamente recursos para fins eleitorais ou para quem fizer a compra de votos. No caso de gasto ilícito, atualmente, só há duas possibilidades de punição: a negação do diploma ao candidato, ou a cassação, se já houver sido outorgado

Projeto protege partidos de punições em caso de não prestação de contas

A minirreforma também pretende trazer uma nova redação para o caso de punições no caso da falta de prestação de contas de partidos. O novo trecho apenas quer punir as legendas com a suspensão de novas cotas do fundo partidário (e não do eleitoral) enquanto perdurar o não-pagamento. Antigamente a legislação perimitia o cancelamento de registro civil caso fique provada a não-prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Critérios diferentes nas federações possibilita que partidos possam preencher a cota de gênero sem apresentar candidatas

O porcentual mínimo de candidaturas por gênero, previsto em 30%, deverá ser analisado na lista federação e não em cada partido. Isso quer dizer que é possível cumprir a cota se houver 30% de candidaturas femininas no somatório geral das candidaturas apresentadas pelos partidos, o que significa que uma legenda, individualmente, pode não apresentar nenhuma mulher como candidata, desde que as demais siglas consigam atender a cota de 30% no somatório geral.

O mesmo critério não vale para o caso de sanções. Os partidos individualmente, e não a federação, responderão em caso de infrações passíveis de sanção pela Justiça eleitoral.

Recursos dos partidos não poderão ser dados como garantia

De acordo com o texto, os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em garantia ou bloqueados, veda a determinação judicial de bloqueio dos bens com a única exceção em casos de má administração dos bens.

Neste caso, quem trabalhou ou prestou serviços a um candidato durante o pleito podem ficar sem receber recursos sem serem pagos.

‘Boca de urna’ nas redes

O texto apresentado permite a propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público. O especialista em Direito eleitoral Alberto Rollo vê aqui uma “boca de urna” em ambientes digitais, ainda que não textualmente legalizada.

“Fazer propaganda na internet no dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O eleitor abre as redes sociais e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna diferente, mas é uma boca de urna”, afirmou.

“Nada consta”

O projeto de lei dispensa a apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses documentos acabam revelando a lista de processos quando o político responde a processos judiciais.

Regras para fraude de gênero e ampliação da classificação de violência política

A minirreforma apresentam fatores que caracterizariam fraude à cota de gênero em candidaturas. São estas: a não realização de atos de campanha, a não realização de despesas de campanha, ausência de repasse de recursos financeiros e obtenção de votação “que revele não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.

A candidata que desistir da candidatura deverá fazer uma declaração justificada, sob pena de responsabilização caso comprovada alguma alegação falsa.

O rol de vítimas de violência política contra mulher também será ampliado. Agora, na nova redação, não apenas a candidata, mas a pré-candidata a um cargo, detentora de mandato ou qualquer mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral pode ser enquadrada como vítima de violência política de gênero.

Partidos podem não precisar destinar uma quantidade mínima de recursos para candidaturas negras

 

Um dos parágrafos do projeto diz que a destinação de recursos a candidaturas específicas “observará a autonomia e o interesse partidário”, dando a única ressalva às candidaturas femininas. O texto abre brecha para a interpretação que não é preciso um valor reservado para candidaturas negras. A atual jurisprudência do TSE fala em proporcionalidade do repasse dos fundos em relação às candidaturas.

Regras para barrar ficha suja

A proposta de minirreforma eleitoral pretende alterar as regras de contagem de tempo para um político condenado ser impedido de disputar eleição. O relator optou que a data da eleição é o marco inicial para o prazo de máximo de oito anos de contagem para a inelegibilidade. Isso pode encurtar o prazo de um político disputar uma eleição. Atualmente este prazo começa a correr “após o cumprimento da pena”.

Mesmo assim, aponta o especialista em Direito Eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a alteração ainda não unifica o prazo. “O prazo continuará a depender da “sorte” ou do “azar” dos candidatos, baseado no dia em que recai o primeiro domingo de outubro nas eleições subsequentes”.

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