A mentira na política -
Diante do triste espetáculo de nossa política, passei a me interrogar sobre o valor das palavras na política. Com os gregos da época de Péricles, aprendi que a palavra é primordial na democracia que é, antes de tudo, a resolução de conflitos por meio da discussão do povo reunido em assembleia. A palavra, o discurso, em vez das armas, da guerra. Por isso, os gregos ensinavam a retórica para desenvolver no cidadão a habilidade de convencer pela palavra. Na modernidade, em particular com Marx, aprendi outra lição: que a palavra é uma arma a serviço do poder. A palavra passa a ser vista, então, como falsa consciência, mentira ou ideologia.
Por mentira, entendo aqui o uso da palavra com a finalidade de enganar, de fraudar, de falsificar e isso de maneira consciente. Na democracia representativa e parlamentar, as oportunidades para transformar a palavra em mentira são muitas. O ato de candidatar-se apresenta a primeira oportunidade: os motivos da candidatura podem ser inconfessáveis e a mentira é um recurso para ocultá-los.
Da mesma maneira pode agir o partido. Sabe-se que um partido político é um agrupamento voluntário de indivíduos em busca do poder para alcançar determinados objetivos, que podem ir dos mais nobres aos mais perversos.
O que dizer então da campanha eleitoral quando os candidatos e os partidos políticos precisam convencer o eleitor que representam uma boa opção de governo? Daí o convencimento pela palavra tornar-se não raramente convencimento pela mentira. A mentira como meio de chegar ao poder e, em seguida, de administrá-lo em seu benefício próprio ou de seu grupo. Como as campanhas eleitorais são longas e custosas, outras formas de convencimento são usadas e o ideal democrático grego cede lugar à fraude; o demagogo deixa de ser aquele que tem habilidade no uso honesto da palavra e passa a ser aquele que mente melhor e usa de todos os meios para impor seu nome.
O discurso não parece suficiente para vencer eleições hoje em dia. À força da palavra – mesmo mentirosa – se acrescenta a força do poder econômico, o que aumenta a possibilidade de enganar durante e após as eleições para negar os meios que o indivíduo e o partido usaram para vencer. Mente-se ainda no exercício da governança no intuito de esconder os motivos das decisões tomadas.
E como fica o povo investido de eleitor diante desse quadro? Fica bestializado porque fizeram-no de bobo, seja porque “não viu, não ouviu, não falou”, seja porque enxergou tudo mais nada pôde fazer senão bravejar, indignar-se e torturar sua alma de eleitor. Como se não bastasse, o eleitor ainda é vitimado e agredido porque se diz que ele não sabe votar. Como não sabe? A cada nova eleição há uma renovação de cerca de 45% dos vereadores e deputados estaduais ou federais. O problema é que os “novatos” são tão ou mais mentirosos e falsos do que os anteriores. Votar melhor? Sim. Mais em quem, se não há melhores candidatos, partidos e instituições políticas?
Como parar a engrenagem da mentira e falsidade para voltar ao convencimento pela palavra? Talvez a mentira seja parte intrínseca da vida política e não seja possível eliminá-la do jogo de poder, mas certamente não na dimensão em que ela existe atualmente.
André Haguette
haguetteandre @gmail.com
Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC) OPOVO