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Nova carta de Lula é tentativa frustrada de preencher o 'cheque em branco'

Por Malu Gaspar / o globo

 

A "Carta do Amanhã" divulgada nesta quarta-feira pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva é resultado de uma constatação bastante pragmática: a de que, nesta disputa presidencial tão apertada, não convinha desafiar a percepção de um segmento do eleitorado que reclamava que Lula queria um cheque em branco para governar.

 

O documento é fruto da pressão de diversos setores que apoiam o PT, e que vem insistindo que Lula precisaria fazer gestos para o eleitor mais moderado que ainda tinha restrições a ele.

 

Dos interlocutores no mercado financeiro a marqueteiros consultados pelo partido, todos insistiam no ponto de que, nessa disputa apertada, o petista não poderia se dar ao luxo de ignorar um segmento do eleitorado que rejeita Bolsonaro, não quer votar pela reeleição do presidente da República, mas também não gosta de Lula por considerá-lo um radical.

 

Várias versões de documentos foram propostas nos últimos dias por esses setores a interlocutores do PT. O texto divulgado nesta tarde é resultado dessa pressão e procura detalhar um pouco mais alguns dos compromissos divulgados de forma genérica do programa já anunciado em agosto.

 

Estão ali a proposta de isenção de impostos para quem ganha até R$ 5 mil, ou a promessa de dar aumento real ao salário mínimo, repondo integralmente as perdas com a inflação.

 

Também constam da carta a proposta ambiental de Marina Silva, que declarou seu apoio a Lula ainda antes do primeiro turno, e os pontos apresentados por Simone Tebet, que se engajou na campanha depois, como a bolsa-estudante e a “igualdade salarial para homens e mulheres que exerçam a mesma função”.

 

O documento, porém, ainda não atende à principal demanda do setor que mais tem pressionado Lula por respostas: o mercado financeiro, que tem pedido sinalizações mais precisas sobre o que seria a política econômica no governo Lula.

 

Na carta, que tem 13 pontos para fazer referência ao número do PT, a questão econômica só aparece no final e em termos ainda genéricos.

 

Fala em "política fiscal responsável" e afirma que o país deve "seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação".

 

Promete ainda um um sistema tributário que não penalize "o investimento, a produção e a exportação industrial", nem "trabalhadores, consumidores e camadas de mais baixa renda". Não explica, porém, como seria esse novo sistema tributário.

 

E para quem presta atenção a detalhes, manda alguns sinais que preocupam quem teme um revival de algumas políticas lulistas, ao afirmar que os "bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo."

 

Comparado às propostas que o PT recebeu nos últimos dias de aliados na Faria Lima, o trecho econômico da carta é menos do que um rascunho.

 

Ainda assim, o fato de o documento ter sido escrito e divulgado a esta altura representa uma admissão, por parte de Lula e de sua campanha, de que precisa fazer mais gestos em direção ao centro.

 

Foi essa mesma compreensão que levou Lula a reunir na segunda-feira (24), no palco do Teatro Tuca, na PUC de São Paulo, figuras como Henrique Meirelles, o economista Persio Arida e a ex-candidata à presidente do MDB, Simone Tebet, para dizer que, se eleito, não fará "um governo do PT", mas sim um governo para "além do PT".

 

Nesse ponto, talvez tenha feito mais por Lula a entrevista dada nesta quinta-feira ao jornal Valor Econômico pelo ex-presidente do Banco Central de Lula e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Na entrevista, Meirelles assumiu um discurso de ministro e apresentou sua "plataforma de governo", da qual faz parte uma reforma administrativa (inclusive defendendo a extinção de algumas estatais) e o estabelecimento de uma regra clara para o chamado "furo no teto de gastos", permitindo saber quanto o governo poderá gastar além do que arrecada.

“Houve pessoas, não necessariamente intermediários, com boas relações com o presidente, comigo, com o PT, que já me disseram: ‘fica preparado’”, disse. “Mas não é uma coisa direta”, disse ele ao repórter Alex Ribeiro, do Valor.

Embora nada esteja definido, e o próprio Meirelles tenha me dito nesta tarde que suas declarações não foram combinadas com Lula – "só falei o que penso"--, houve até uma leve alta na bolsa hoje. Tudo com base na leitura de que a presença de Meirelles e Persio Arida no entorno de Lula deve levá-lo a adotar uma linha mais amigável com as pautas liberais num futuro governo.

Para quem procura sinais, afinal, nada passa despercebido. Nem mesmo o fato de que, na segunda-feira, no Tuca, Meirelles e Persio Arruda estavam no palco. Já Aloizio Mercadante, ex-ministro desenvolvimentista de Dilma Rousseff que a Faria Lima abomina, estava sentado na plateia.

 
 

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