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Como superar o ódio eleitoral no Brasil

Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017 / FOLHA DE SP

O Brasil está em guerra civil. Nos últimos anos, famílias rasgaram-se, amizades desfizeram-se e o contrato social coletivo, já frágil, implodiu. Possivelmente nunca o país esteve tão polarizado. Certamente que há um histórico de conflitos internos violentos ao longo dos últimos cem anos, seja no formato de revoltas (Jacareacanga, Quebra-Milho), levantes (Integralista), revoluções (de 1930, Constitucionalista de 1932,), golpes de Estado (1964), insurreições (anarquista de 1918) e movimentos de guerrilha (Araguaia, Caparaó). O Brasil também é um dos países com maior insegurança urbana do mundo. Mas os conflitos internos sempre foram relativamente efêmeros ou regionais. Nenhum deles opôs dezenas de milhões de brasileiros a outras dezenas de milhões de brasileiros.

A divisão atual entre bolsonaristas e lulistas, ou entre a direita radical e a esquerda democrática já não pode ser retratada como uma antipatia ou embirração, própria de disputas eleitorais. É de ódio e repugnância que falamos. Tal como um qualquer país em guerra civil, parte do Brasil cortou relações com a outra parte de si próprio. E sem a necessidade de universalizar o uso da violência armada.

Qualquer que seja o resultado destas eleições, o Brasil precisa iniciar um longo processo de pacificação. Além de recuperar a economia e reduzir a pobreza, o cardápio de prioridades do presidente eleito deveria ser reconciliar o país.

Mas como fazê-lo? A coluna entrevistou Guy Banim, um reconhecido especialista internacional, com 25 anos de experiência em mediação de conflitos em países como Nepal, Mianmar, Moçambique, Afeganistão ou Irlanda. Já trabalhou para várias organizações multilaterais e é atualmente professor visitante no Colégio da Europa, um instituto de ensino e treinamento de pós-graduação dedicada a temas internacionais.

Pós-eleições, o primeiro desafio para o presidente brasileiro é reconhecer de que há uma hostilidade de massas que precisa ser resolvida. Não será fácil. A inclinação natural de qualquer político é de exacerbar a sua base de apoio para engordar as expectativas de vitórias eleitorais futuras. No caso de vitória de Bolsonaro, a pauta será a da destabilização, não a da harmonização cívica.

Depois, em sociedades desmembradas, o lado que adquirirá o poder não poderá expropriar o lado perdedor. Guy Banim salienta que a literatura acadêmica e a experiência de dezenas de conflitos demonstram que "a exclusão sistemática de algum grupo específico do acesso ao poder, a oportunidades, a serviços e à segurança cria um terreno fértil para a mobilização de protestos e reivindicações legítimas. Quem vencer as eleições terá de adotar políticas de longo prazo que considerem também as aspirações econômicas e sociais dos derrotados. Fomentar a participação de jovens, organizações, movimentos e redes que apoiaram Bolsonaro ou Lula é fundamental." Se excluído ou perseguido, o bolsonarismo ou o lulismo crescerá e poderá tornar-se violento. A coesão social não representa o cancelamento do debate, mas um espaço democrático no qual o pluralismo pode florescer pacificamente.

As artes e a cultura também podem exercer um papel fundamental. Os criadores e gestores culturais têm de puxar os extremos pelas orelhas para os trazer para um espaço comum de debate, imaginação e criação. Funcionou na Colômbia e na Irlanda. Cabe às artes transpor o seu vínculo político natural à esquerda para criar elementos de partilha coletiva.

Guy afirma também que, no caso brasileiro, tal como no americano, se o teatro de guerra está nas redes sociais, as estratégias de resolução de conflitos deveriam priorizar este território digital. As redes, apesar de todos os seus benefícios, tornaram-se também instrumentos que acentuam estratificações e categorizações sociais, além de amplificarem as fraquezas e vulnerabilidades humanas. Uma boa solução para mitigarmos a versão nefasta das redes sociais é o The Commons Project, um projeto lançado em 2017 com o objetivo de despolarizar o debate público e privado nos Estados Unidos.

A premissa central do The Commons é que a maioria das pessoas nos EUA não é promotora ativa da polarização. Em vez disso, a polarização é algo que lhes acontece. São vítimas, não réus. Através de ferramentas próprias, o The Commons consegue identificar os milhões de pessoas no Twitter e Facebook que estão mais suscetíveis a serem polarizadas. Depois criam conteúdos moderados para testar reações. Em seguida, facilitadores entram em contato direto com os usuários das redes de forma a desmistificar dogmas, aquietar medos e a incutir alguma literacia digital. As metodologias aplicadas permitem chegar de forma direta e personalizada a potencialmente milhões de pessoas. O Brasil precisa de um programa semelhante.

O nosso otimismo leva-nos a acreditar que muitos dos que votam em Lula ou Bolsonaro têm mobilidade ideológica e fazem opções políticas de forma utilitarista. Não guardam rancores nem pularam para nenhuma trincheira. Mas há dezenas de milhões de brasileiros que são agudamente bolsonaristas, lulistas, antibolsonaristas ou antilulistas. É nesta fatia demográfica que nos deveríamos concentrar. No final do século 19, o Brasil teve um presidente que recebeu a alcunha de "Pacificador", depois de ter posto termo à Revolução Federalista. Vamos precisar de um novo presidente com as mesmas habilidades. Para isso, precisa de ser um presidente democrático.

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