Transferência de votos para Lula ou Bolsonaro depende do engajamento de novos aliados
Por João Scheller / O ESTADÃO
Poucos dias após um primeiro turno que cristalizou a divisão clara entre os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) pela disputa à Presidência, deu-se início a uma onda de apoios políticos para cada um dos candidatos. Desde o tímido aceno de Ciro Gomes (PDT) a Lula até o apoio “incondicional” do governador paulista Rodrigo Garcia (PSDB) a Bolsonaro, o mundo político tenta responder a uma pergunta essencial: de que forma o endosso às candidaturas pode se transformar em votos?
Para analistas e políticos ouvidos pelo Estadão, o cenário depende primordialmente do quanto cada um dos apoiadores irá se empenhar nas campanhas dos aliados e conseguir, de fato, converter esse apoio em mais votos nas urnas.
Nesse sentido, as atenções se voltam a dois grupos. Primeiro, aos candidatos à Presidência derrotados no primeiro turno, que têm um contingente de eleitores a ser disputado. E, em segundo, a governadores, reeleitos ou derrotados, que possam utilizar a influência política – e, principalmente, a máquina pública – para angariar votos aos aliados.
Bolsonaro teve 6 milhões de votos a menos que Lula, defasagem que teria de ser recuperada até o fim do mês. O cenário polarizado, porém, fez com que os eleitores se concentrassem nos dois principais candidatos e deixassem pouca margem para avanços. Os votos dos candidatos derrotados somam 8% dos eleitores, ante 24% em 2018 e 2014. Além disso, um aumento da abstenção, que foi de 20,95% no dia 2, pode ser decisivo se a votação for acirrada. Em 2018, por exemplo, elas cresceram em 1,6 milhão de votos do primeiro para o segundo turno.
Diferenças
”Existem dois tipos de apoio. Um é simbólico, que, indiretamente, pode vir a se tornar voto”, disse a professora Graziella Testa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), citando as chancelas de Fernando Henrique Cardoso e de Armínio Fraga a Lula. “E tem o tipo de apoio, que é mais importante agora, a três semanas do segundo turno, que é o apoio que se transforma em voto.”
Aqui entram governadores, como Romeu Zema (Novo), vencedor no primeiro turno em Minas, e Rodrigo Garcia (PSDB), que perdeu em São Paulo. Ambos apoiam Bolsonaro. Estão ainda neste grupo presidenciáveis derrotados no primeiro turno, principalmente Ciro e Tebet, que têm, de fato, votos para transferir.
Enquanto o apoio de Ciro – que optou por chancelar a decisão do PDT de endossar a candidatura de Lula – tende a ter pouco efeito prático, a forte sinalização de Tebet pode transferir votos que não se identificam com nenhum dos polos. “Tebet teve um crescimento grande durante a campanha e, a despeito de representar um porcentual (de eleitores) pequeno, é um porcentual que pode ser decisivo, que não optou pelo voto útil”, destacou Graziella Testa.
Capilaridade
Se o apoio de Ciro e Tebet pode trazer votos a Lula, a aliança com governadores traz a capilaridade dos municípios e o poder de movimentar o aparelho estatal em favor de Bolsonaro. “É o apoio aritmeticamente determinante (de Ciro e Tebet) versus o apoio político relevante e o apoio da máquina”, afirmou o cientista político Antônio Lavareda, diretor do Ipespe.
A dúvida fica por conta da possibilidade de mobilização dos governadores para a reeleição do presidente, principalmente em colégios eleitorais-chave, como São Paulo e Minas. “Zema é muito relevante e muito bem avaliado. Essa boa avaliação pode se traduzir em voto, sim. Agora, um ponto importante é: o que essas figuras têm de fazer para traduzir o apoio em voto?”, afirmou Graziella Testa, da FGV.
A vantagem de Lula no Estado foi de 4,6 pontos porcentuais, enquanto a de Zema ocorreu por uma diferença de 21,02 pontos ante seu principal adversário, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).
Desafio é fazer liderança local influenciar disputa nacional
Em meio a um cenário polarizado, um dos desafios é fazer com que os apoiadores nos Estados consigam, de alguma forma, exercer influência sobre o eleitorado que já tem uma preferência de voto.
“Existem poucas evidências empíricas para sugerir que o apoio de candidatos de outros partidos ou de líderes regionais influencie a votação nacional, especialmente quando os candidatos à Presidência são tão conhecidos”, diz relatório da consultoria de risco político americana Eurasia.
“Ou o governo usa a máquina pública, ou não vale a pena. A declaração de apoio resolve muito pouco”, completou Antônio Lavareda, cientista político e diretor do Ipespe.
Enquanto em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) tem mais quatro anos de governo pela frente, em São Paulo, a derrota do governador Rodrigo Garcia (PSDB) no primeiro turno faz com que ele tenha mais liberdade para se engajar na campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Garcia tem mais interesse do que Zema na vitória, porque, derrotado, pode alugar espaço no governo federal”, afirmou Lavareda. As reações à decisão de Garcia, que se filiou recentemente ao PSDB, com a debandada de secretários e reclamações de figuras históricas do partido, indicam que ele tomou uma decisão pessoal.
“A movimentação dele (Garcia) não ponderou duas coisas: uma conversa com o secretariado e uma conversa com o partido”, disse o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vitor Marchetti. “É algo que não soma muito para a campanha e, para Rodrigo, fica um tanto quanto humilhante”, declarou o cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV. “É diferente do apoio do partido. O apoio do PDT ao Lula trouxe o Ciro, mesmo que constrangido”, completou.
”O primeiro sinal (dos governadores que apoiam Bolsonaro) não me pareceu um sinal de que irá tentar enormemente reverter votos. O movimento mostra que o presidente não está isolado, tem base, mas não me parece um primeiro sinal de figuras dispostas a ir a campo pedir voto, ou, no caso do Zema, reverter voto”, disse Marchetti.
No Rio, por sua vez, a campanha de Cláudio Castro (PL) – governador reeleito em primeiro turno – promete mobilizar prefeitos para trazer votos em Bolsonaro. O partido de Castro elegeu 17 dos 70 deputados estaduais, além de 11 dos 46 deputados federais fluminenses, tendo capilaridade muito maior no Estado.
“Tem margem (para virar votos), estamos mobilizando os prefeitos”, disse o deputado federal reeleito Altineu Côrtes (PL-RJ).