O dedo de Deus não apertará o teclado da urna..
Colunista do UOL
Não é a primeira vez que campanha eleitoral vira disputa travada num pátio de milagres. Mas o fenômeno ganhou novas proporções em 2022. O segundo turno mal começou e já estão de volta as manifestações de fervor e fé dos protagonistas. Lula recebeu o apoio de freis franciscanos. Bolsonaro pediu votos num culto evangélico. Nas redes sociais, há um vídeo impulsionado pelo bolsonarismo que associa Lula ao satanismo. Outro vídeo, ressuscitado pelo petismo, mostra Bolsonaro num evento da maçonaria, organização demonizada por evangélicos e católicos. Discursando na noite passada para devotos reunidos num culto da Assembleia de Deus Ministério de Madureira, na zona leste de São Paulo, Bolsonaro disse que oponente não é apenas seu adversário, mas inimigo da nação. Lula, no seu encontro com os freis católicos, disse que "a fé é algo muito sagrado." Depois, afirmou que gosta de segundo turno "porque o povo tem uma segunda chance." É como na Igreja católica, ele comparou. "Tem o batismo e depois tem a crisma, para dar uma chance da pessoa escolher seu próprio padrinho".
Lula e Bolsonaro se esforçam para demonstrar à sociedade que Deus está presente em suas respectivas campanhas. Em parte, sempre foi assim. Mas a parceria de Bolsonaro com pastores que exploram politicamente logomarcas evangélicas potencializou a mistura do divino com o profano universo eleitoral. Lula entrou no jogo. Cobiça o voto evangélico, majoritariamente fechado com seu rival, sem descuidar da aliança histórica do petismo com a sacristia.
Levada para as redes sociais, a disputa diabólica passa a impressão sombria de que a humanidade caminhou milhões de anos para voltar ao ponto de partida no Brasil. Tudo começou com os desenhos rupestres nas paredes das cavernas. E termina com os brasileiros magnetizados diante de memes e vídeos exibidos nas paredes das redes sociais.
A visão de anjos vigiando as urnas eletrônicas, enquanto Deus decifra o enigma da polarização digitando 13 ou 22 no teclado parece muito conveniente. O diabo é que Deus não requisitou ao TSE um título de eleitor. O dedo Dele não pressionará as urnas n o dia 30 de outubro.
O país não está nas mãos do sobrenatural. Seria melhor se os candidatos esclarecessem seus planos, para que o eleitor pudesse tomar a melhor decisão. Ou a menos pior.