O TSE acertou ao proibir celular na cabine de votação? NÃO
João Daniel Silva
Presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc) e integrante do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR)
FOLHA DE SP
O Tribunal Superior Eleitoral não acertou ao proibir celular na cabine de votação, recomendando sua retenção por mesário, e acabou incorrendo em ativismo judicial por meio de inovação de cunho legislativo nos termos do novo entendimento da corte. Isso porque o artigo 91-A, parágrafo único, da lei 9.504, já dispunha que: "Fica vedado portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação".
Contudo, a supracitada norma não declarava que o mesário disporia de poder de polícia para reter aparelhos celulares dos eleitores no ato da votação. Porém, a atual configuração de ministros componentes do TSE modificou as resoluções eleitorais brasileiras, passando a conferir um poder "erga omnes" (que tem efeito ou vale para todos) aos mesários, dando-lhes autorização para a retenção de bem alheio, além de imputar um verniz criminológico à suposta desobediência por parte do eleitor.
Isso só foi possível graças a uma norma penal de tipo aberto, ou norma penal em branco (ou norma penal cega), que traz a lume as incongruências de um sistema persecutório que se diz garantista, mas vilipendia garantias básicas ao adentrar no campo do direito penal do inimigo; isto é, aos inimigos, o rigor da lei.
A referida norma penal cega está contida na lei 4.737, que institui o Código Eleitoral brasileiro, em seu artigo 347, que diz: "Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução: Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa."
Percebe-se que o comando legal permite incluir qualquer coisa que o julgador quiser por meio do ativismo judicial, qualquer ato que a Justiça Eleitoral decidir fixar por meio de diligências, ordens ou instruções internas.
Em um momento de crise política e institucional, tal qual o Brasil vem atravessando sem perspectiva de trégua, o ativismo judicial das cortes superiores acaba por agravar e aprofundar a insegurança jurídica percebida em graus elevados, em todas as esferas do tecido social.
Outorgar poder de polícia a mesários gera sensação de Estado policialesco, como aquele apontado por Michel Foucault em sua obra "Vigiar e Punir". Não se defende a democracia com supressão de garantias básicas e cassação de direitos fundamentais. Não se exerce a jurisdição constitucional por meio do vilipêndio à Lei Maior e o escárnio de princípios legitimamente consagrados.
O ordenamento jurídico brasileiro possui dispositivos legais para salvaguardar a Justiça, o bom direito e a isonomia. Notadamente os juristas brasileiros bebem da água do direito romano, de tradição milenar, com brocardos jurídicos que evidenciam como deve ser a prática, ou seja, a operação do direito. Há um brocardo que diz "dura lex, sed lex", que, em tradução livre, significa "a lei é dura, porém é a lei".
No entanto, temos visto integrantes do Poder Judiciário banalizarem tanto a lei que o ideário do supramencionado brocardo passa a ser vulgarizado e transfigurado para "dura lex, sed latex" —que poderia ser traduzido como "a lei é dura, porém estica".
Nesse diapasão, vale lembrar que o direito é, antes de tudo, bom senso. E a esperança do povo brasileiro é que o ativismo judicial saia das cortes brasileiras pelas portas dos fundos e, através da entrada principal, ingresse o bom e velho bom senso.