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Lula lança Bolsonaro como seu cabo eleitoral.

Josias de Souza

Colunista do UOL

08/05/2022 05h10

Lula inaugurou formalmente sua campanha pelo terceiro mandato num evento em que o verde-amarelo desbotou o vermelho do PT. Antes de discursar, ouviu o hino nacional, entoado à capela pela cantora Tereza Cristina. Falou por 46 minutos contra um pano de fundo em que cintilava uma enorme bandeira do Brasil. Trocou o improviso por um texto escrito. Fez três movimentos. Num, lançou Bolsonaro como candidato a seu principal cabo eleitoral. Noutro, dedicou-se a industrializar a esperança. No terceiro, exercitou seu hábito predileto: falar bem de si próprio.

Bolsonaro tornou as coisas mais fáceis para Lula. O nome do presidente não foi mencionado nenhuma vez. Mas esteve onipresente num discurso em que Lula falou em "restaurar a democracia", "reconstruir o Brasil", restabelecer a "paz", restituir a "concórdia" e desobstruir os canais de diálogo do governo com a sociedade: "Quando governamos o país, o diálogo foi a nossa marca registrada", disse o orador.

Ao aprisionar a língua de Lula dentro das quatro linhas da folha de papel, os redatores da campanha petista evitaram que o candidato disparasse novos tiros contra o próprio pé. E acomodaram nos seus lábios mensagens direcionadas não apenas aos convertidos, mas a nichos da sociedade marcados pela presença de eleitores que não rezam pelo catecismo lulista. Entre eles, por exemplo, militares, evangélicos e empresários.

Lula mencionou 24 vezes a palavra "soberania", muito cara às Forças Armadas. Somando-se as cinco vezes em que citou "soberano", o conceito que traduz a noção de poder político supremo do Estado dentro do seu próprio território e nas suas relações com outros países apareceu no discurso 29 vezes. Sempre associado à ideia de que a gestão Bolsonaro especializou-se na demolição.

Na versão de Lula, o Brasil não será soberano sem refazer o que Bolsonaro desfez em áreas como saúde, educação, política externa, meio ambiente, proteção às comunidades indígenas, às mulheres e aos negros..

"A nossa soberania e a nossa democracia vêm sendo constantemente atacadas pela política irresponsável e criminosa do atual governo", disse Lula a alturas tantas. Numa referência à submissão de parte das Forças Armadas à cruzada de Bolsonaro contra o Poder Judiciário e o sistema eleitoral, o candidato petista disse considerar "imperioso que cada um volte a tratar dos assuntos de sua competência. Sem exorbitar, sem extrapolar, sem interferir nas atribuições alheias"..

Lula prosseguiu: "Chega de ameaças, chega de suspeições absurdas, chega de chantagens verbais, chega de tensões artificiais. O Brasil precisa de calma e tranquilidade para trabalhar e vencer as dificuldades atuais. E decidirá livremente, no momento que a lei determina, quem deve governá-lo".

Noutro trecho, o discurso lido por Lula anotou: "Não faremos jamais como o nosso adversário, que tenta mascarar a sua incompetência brigando o tempo todo com todo mundo, e mentindo sete vezes por dia. A verdade liberta, e o Brasil p.recisa de paz para progredir" Foi como se os redatores do discurso desejassem falar para o eleitorado evangélico, realçando que Bolsonaro está preso por grilhões de barbante ao versículo multiuso que extraiu do Evangelho de João —"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".

Lula soou ainda mais explícito quando disse que "pode até se dizer cristão, mas não tem amor ao próximo" um governante que se mostrou "incapaz de verter uma única lágrima diante de seres humanos revirando caminhões de lixo em busca de comida, ou dos mais de 660 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid.".

Rendido à dinâmica da marquetagem, Lula expurgou as polêmicas de sua oratória. Absteve-se de mencionar, por exemplo, a ideia de revogar a reforma trabalhista. Evitou citar até mesmo a versão mais branda da proposta, que falava em "reformulação". Preferiu equiparar num discurso anódino a defesa dos direitos trabalhistas com a pregação em favor da retomada do crescimento econômico..

Declarou: "Vamos provar que o Brasil pode voltar a ser um país que cresce, que se industrializa, que gera emprego. Criar um ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que incentive os empresários a investirem outra vez no Brasil, com garantia de retorno seguro e justo, para eles e para o país".

Num dos trechos em que se dedicou ao autoelogio, Lula disse: "Nós fomos capazes de gerar mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos garantidos. Enquanto eles destruíram direitos trabalhistas e geraram mais desemprego".

O candidato apagou da memória a gestão empregocida de sua criatura Dilma. No período da doutora, a economia encolheu 6,8%. O desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de trabalhadores.

Dilma compareceu ao ato de lançamento da nova candidatura do seu criador. Não constava do discurso escrito. Mas Lula injetou-a num improviso maroto feito no finalzinho de sua fala. A pretexto de elogiar a pupila, Lula misturou o nome dela ao de José Dirceu para informar que ambos não participarão do governo caso seja eleito.

"As pessoas perguntam: você vai levar a Dilma para o ministério, vai levar o Zé Dirceu? Não vou levar, mas jamais a Dilma caberia no ministério porque a Dilma tem a grandeza de ter sido a primeira mulher a ser presidenta do Brasil", afirmou Lula. Esse trecho não foi incluído na íntegra do discurso, divulgada no site do PT..

 

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