Lula faz ataques seletivos a Petrobras e Congresso e ignora escândalos sob PT
Temas priorizados pelo ex-presidente Lula (PT) em declarações públicas na pré-campanha, a gestão da Petrobras e a relação com o Congresso também serão vidraças eleitorais para o pré-candidato na eleição deste ano.
Em discursos e entrevistas nas últimas semanas, o ex-presidente tem feito distorções acerca do histórico de seu governo em relação ao tema dos combustíveis. Também mirou o Legislativo ao pedir em eventos com a militância mais esforço para eleger aliados.
A Petrobras e a negociação com o Congresso estão na gênese das duas principais crises vividas nos mandatos petistas na Presidência: a revelação do mensalão, em 2005, e as descobertas da Lava Jato, já no governo Dilma Rousseff, a partir de 2014.
No último dia 19, no interior do Paraná, Lula afirmou que a atual legislatura representa "talvez o pior Congresso da história do país" e que é preciso mudar "a qualidade dos deputados e senadores", declaração que motivou resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O petista afirmou também que o governo Jair Bolsonaro (PL) concebeu um orçamento secreto que "serve para comprar voto de deputado para fazer desgraceira".
O ex-presidente se referia ao pagamento das chamadas emendas de relator do Orçamento, incluídas pelo Congresso a partir de 2020 e hoje principal moeda de troca do governo com o Legislativo. Na prática, a destinação dessas verbas, que chegaram a R$ 16,8 bilhões no ano passado, é decidida sem transparência pela cúpula da Câmara e do Senado, sem especificação do parlamentar que a indicou.
Na terça-feira (22), Lula voltou ao tema, de maneira mais amena, em entrevista para uma rádio de Santa Catarina. Disse, sobre o centrão, que qualquer presidente, eleito democraticamente, "tem que conversar com essas pessoas, independentemente de gostar ou não".
Mas afirmou que "não dá para ver o Congresso funcionando da forma como está hoje", com mais poder em detrimento do papel do presidente da República.
O pagamento de emendas parlamentares é um antigo foco de fisiologismo e cooptação na relação entre o Executivo federal e o Legislativo.
Em escala menor, no governo Lula, em 2007, a Folha noticiou o pagamento na semana de votação na Câmara da prorrogação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) de 10% de tudo o que havia destinado para emendas naquele ano. O valor somava só naqueles cinco dias R$ 159 milhões, em valores não atualizados.
O atual bloco de apoio de Bolsonaro, criticado pelo PT, também contém ex-integrantes da base aliada de Lula, incluindo o PL, hoje sigla do presidente, mas que foi longeva aliada dos governos petistas.
Eleito por coligação minoritária no Congresso, em 2002, Lula teve que abrir as portas do governo e de ministérios a legendas distantes de seu campo político, como PTB e PP.
Foi no âmbito dessa negociação que surgiu o esquema apelidado de mensalão, a compra de apoio parlamentar no Congresso que motivou denúncia julgada no STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.
A mais alta corte do país condenou 25 pessoas, incluindo políticos petistas, por integrar esquema destinado a garantir sustentação do governo no Legislativo.
A divisão de espaço entre aliados no governo do PT também está no cerne da outra grande foco de controvérsia relacionada ao partido: o loteamento de diretorias da Petrobras entre partidos, origem do esquema de desvios na estatal alvo da Lava Jato.
A tese das autoridades da operação, repetida em documentos judiciais até hoje, inclusive do Supremo, é a de que existia um cartel de construtoras na Petrobras no qual havia o pagamento de propina, sendo parte destinada aos partidos aos quais os então diretores eram ligados –PT, PP e MDB.
O diretor de Abastecimento nos governos Lula e Dilma, Paulo Roberto Costa, foi o primeiro delator da Lava Jato.
Na esteira de críticas à alta da gasolina sob Bolsonaro, Lula tem trazido a estatal a seus discursos de pré-campanha, comparado iniciativas do atual presidente com as tomadas por seu governo no setor de combustíveis, como a construção de refinarias e a política de preços da época.
"Foi um momento de ouro. Porque a Petrobras não era tratada como uma empresa de petróleo. Ela é uma empresa de petróleo, de óleo, de gás, mas também é uma empresa que investe no desenvolvimento do país", afirmou o petista em entrevista a uma rádio da Paraíba no último dia 15.
Os projetos da estatal naquela época começaram a sofrer questionamentos ainda antes da Lava Jato, por exemplo, quando o TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou em 2011 o bloqueio de verbas à construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, uma das mais mencionadas posteriormente na Lava Jato.
Em 2021, a corte de contas afirmou em relatório que o custo de construção do complexo pulou dos US$ 2,4 bilhões estimados inicialmente para US$ 20,1 bilhões e que o empreendimento era "economicamente inviável".
O ex-presidente tem dito que a elite brasileira está tentando vender a ideia de que a empresa não é produtiva nem rentável apenas como estratégia para preparar sua privatização.
Em viagem ao México, neste mês, o ex-presidente afirmou que a descoberta do pré-sal, em seu governo, esteve por trás do impeachment de Dilma, em 2016, e da cassação de sua candidatura à Presidência em 2018.
"Querem entregar o nosso petróleo para as empresas que sempre mandaram no petróleo no mundo", disse ele, na ocasião.
A Folha procurou a assessoria do petista para comentar o assunto, mas não obteve resposta.
CÁLCULO POLÍTICO
O cientista político Marco Antonio Teixeira, que é professor da escola de administração da FGV (Fundação Getulio Vargas), vê a ênfase de Lula na questão da Petrobras menos como uma vacina diante de eventuais críticas acerca do histórico do PT na estatal e mais como um cálculo político em um assunto de enorme impacto no eleitorado, a inflação.
"É o maior fator de desgaste do governo Bolsonaro e que pode de alguma maneira, pela memória retrospectiva do período dele [Lula], trazer algum tipo de vantagem", diz.
Também afirma que o ex-presidente tem como trunfo nessa seara o fim dos processos em que era réu no âmbito da Lava Jato e que os escândalos de corrupção já foram "exaustivamente explorados em eleições anteriores", podendo até ser ofuscados por casos mais recentes, como a crise que eclodiu no Ministério da Educação nos últimos dias.
O cientista político também vê o atual momento eleitoral como de muita instabilidade, inclusive no tom dos discursos, que só ficarão mais claros com a definição das alianças dos partidos.
Em relação às críticas do petista ao atual Congresso, Marco Antônio Teixeira considera uma tentativa equivocada de explorar a baixa popularidade do Legislativo hoje.
"Dificilmente vamos ter um Congresso tão diferente deste. Dificilmente vamos ter um governo que não vai depender do centrão."