Eleições 2022: inocuidade da penalidade no desvirtuamento da propaganda partidária
Propaganda, em si, é um meio de difundir uma mensagem que não só é informativa, mas também persuasiva.1
Com a promulgação da Lei nº 14.291/2022, houve a restauração da propaganda partidária, que havia sido rechaçada do ordenamento jurídico no ano de 2017 quando estiolaram de sobremaneira o direito de antena consagrado no art. 17, §3º, da Constituição Federal, que visa espraiar, em suma, as ideias da legenda com o fito de atrair filiados e arregimentar simpatizantes para as agremiações partidárias. Esse instrumento atrelado ao fundo partidário garantem o enaltecimento da paridade de armas entre os partidos políticos, a moralidade e, principalmente, a democracia e, assim, visa a participação das minorias no jogo político.
Extrai-se da leitura dos artigos a manutenção da ideia da propaganda partidária trazendo, com mais ênfase, que a sua natureza é de difundir os programas partidários, transmitir mensagens aos filiados sobre a execução do programa partidário, os eventos com este relacionados e as atividades congressuais dos partidos; divulgar a posição do partido em relação a temas políticos e ações da sociedade civil; incentivar a filiação partidária e esclarecer o papel dos partidos na democracia; além de promover e difundir a participação das mulheres, jovens e negros.
A nova roupagem legal veio acompanhada do veto presidencial atinente a possibilidade das emissoras procederem com a compensação fiscal pelo uso do tempo de rádio e televisão, remanescendo para o Congresso Nacional a possibilidade de discussão quanto ao ferimento ou não da lei de responsabilidade fiscal e das diretrizes orçamentárias de 2021, bem assim consignou o dever de reservar 30% (trinta por cento) do tempo à promoção e à difusão da participação política das mulheres.
A propaganda partidária está relacionada às questões das agremiações políticas. Explica-se: A presente propaganda possui o viés de divulgar opiniões, posições ideológicas apenas no campo das agremiações políticas, isto é, visa destacar o programa ideológico partidário (seus ideais), o que, por si só, difere da propaganda eleitoral. Marcos Youji esclarece:
“É aquela realizada pelas agremiações políticas com a finalidade de divulgar sua ideologia e seus estatutos, suas opiniões e posições quanto às realizações e decisões da Administração, suas propostas de governo e visão ideal de Estado, e suas próprias atividades e eventos partidários”.2
A diferença ontológica entre a propaganda partidária e a intrapartidária reside na esfera de atuação, a primeira é direcionada a atrair novos filiados, enquanto a segunda restringe-se aos já filiados na escolha de candidatos aptos a concorrer ao pleito eleitoral.
Assim, a propaganda partidária deve, evidentemente, viabilizar a difusão de sua ideologia partidária para atrair filiados consolidando, assim, os seus ideais em busca de um fortalecimento democrático. De tal modo que, a propaganda partidária que desvirtuar desses desígnios elencados no art. 50-B, da Lei nº 9.096/95, incidirão nas penalidades contidas no §4º, do mesmo artigo.
Não levando em consideração a criatividade brasileira e, via de consequência, a impossibilidade de o legislador abarcar todas as nuances no âmbito normativo, o artigo 50-B, da Lei nº 9.096/95, elencou seis vedações que não podem estar inseridas nas inserções partidárias,3 no intuito de inibir o desvirtuamento da propaganda partidária.
O desvirtuamento da propaganda partidária cinge-se, precipuamente, na medida em que o espaço destinado a agremiação partidária se volta para outros fins que destoam da sua essência como, por exemplo, o enaltecimento de determinado candidato tornando-se, portanto, uma propaganda eleitoral em período vedado em ano eleitoral.
A penalidade que o poder legiferante trouxe, nesses casos de desvirtuamento, foi a cassação do tempo equivalente a 2 (duas) a 5 (cinco) vezes o tempo da inserção ilícita no semestre seguinte. Ocorre que, o desvirtuamento acontecendo no primeiro semestre do ano – em ano eleitoral, em razão da não divulgação da propaganda partidária no segundo semestre do ano, bem como sem implicações pecuniárias ou mais incisivas decorrente da inocuidade da norma, haja vista que a única penalidade legal é uma perda de inserções para o ano seguinte em que não ocorrer o prélio eleitoral, não denota, evidentemente, em um impedimento para o desvirtuamento da propaganda partidária.
Ou seja, a penalidade legal é ínfima e sem nenhuma implicação financeira para a agremiação partidária.
Essa ausência de eficácia normativa já foi esteio de discussão no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, pois apesar da “inovação” ou melhor dizendo “resgate” da propaganda partidária, esse típico problema já era usualmente enfrentado pelo Tribunal Superior,4 nos moldes da legislação revogada em meados de 2017. Notadamente, o desvirtuamento da referida propaganda partidária implica na quebra da essência que visa fomentar e exaltar as agremiações partidárias e a penalidade advinda (“mantida”) não afastará esse tipo de prática que culminará, evidentemente, na quebra da paridade de armas entre os partidos políticos.
Referências:
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Questão de Ordem na Representação nº 994. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. DJ, 13 dez. 2006. p. 168;
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 3ª Ed. Belo Horizonte: DelRey, 2008;
MINAMI, Marcos Youji. O abuso de direito na propaganda partidária. Fortaleza: Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, 2010. Suffragium: revista do tribunal regional eleitoral do Ceará, v. 6, n. 9, p. 38-46, 2010.
Delmiro Dantas Campos Neto é advogado; sócio-diretor do escritório Campos & Pedrosa Advogados Associados; Membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Membro da ABRADEP; Coordenador do Núcleo de Direito Eleitoral da ESA/OAB/PE; Pós-Graduado em Direito Eleitoral pela EJE do TRE/PE (2012/2013), Desembargador Eleitoral Substituto do TRE-PE (2017/2019) e Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do Estado de Pernambuco (2017/2019)
Maria Stephany dos Santos é advogada, especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2022, 8h31