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O caminho para vencer o populismo

As eleições de 2022 acontecerão em meio a uma grande polarização, tão grande quanto em 2018, e os candidatos moderados precisarão romper o extremismo que colocou a Nação em clima de guerra desde o final dos anos Dilma. Mais do que isso, o próprio legado do Plano Real — estabilização da moeda e responsabilidade fiscal — será colocado à prova. O arcabouço legal que garantiu esse avanço está sob risco, assim como o combate à corrupção e ao patrimonialismo.

A superação desses males passa pela valorização da própria democracia. Os problemas do País devem ser resolvidos com mais política, por isso candidatos outsiders terão menos força. Isso afetará principalmente o atual presidente, que se elegeu há três anos como um candidato antissistema. Agora será diferente, e ele precisou por isso assumir-se como um legítimo representante da “velha política”. Na última terça-feira, filiou-se ao PL, o partido de Valdemar Costa Neto que foi preso no escândalo do Mensalão. Jair Bolsonaro participou de uma cerimônia fechada à imprensa, ladeado pelos líderes do PP, como seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (estrelas do Petrolão), e representantes do Republicanos, como Marcos Pereira. Foi um banho de Centrão. E um retorno ao lar. O chefe do Executivo já passou por nove partidos dessa chusma de legendas, sempre no baixo clero do Congresso.

EXTREMISMO Bolsonaro com apoiadores em Brasília, em maio: democracia em risco (Crédito:Alan Santos/PR)

Abraçar o grupo fisiológico foi a maneira que o mandatário encontrou para governar, após fracassar em suas tentativas de atropelar a Constituição e passar por cima do Congresso e do Supremo. O Centrão é um dos pilares de sustentação da sua gestão, e isso será decisivo também no processo eleitoral. Bolsonaro não poderá mais contar apenas com as redes sociais. Sua campanha agora se dará dentro do embate tradicional. Precisará dos recursos desses partidos e de tempo de TV para a propaganda eleitoral. Numa coligação das três legendas citadas acima, o presidente terá 2 minutos e 20 segundos de propaganda no rádio e na TV, além das inserções de 30 segundos ao longo das programação. Tinha apenas oito segundos em 2018. Terá, em tese, acesso a R$ 376 milhões de fundo eleitoral. Precisará de todos os recursos que puder somar. Seu eleitorado é cada vez menor. Ele precisa do Centrão para conquistar currais eleitorais. E já jogou a toalha para o Nordeste, a região em que o ex-presidente Lula tem maior adesão. Sua maior aposta é em programas eleitoreiros improvisados no final do mandato, especialmente o novo Bolsa Família.

Mais que isso, Bolsonaro precisará lidar com o fato de que passou de estilingue a vidraça. Ao invés de atacar indiscriminadamente todos os políticos, como sempre fez, precisará defender as realizações do seu governo. Com a inflação de dois dígitos, desemprego elevado, economia parando e previsão de estagflação no próximo ano, o cenário é bastante negativo para o mandatário. Sua popularidade derreteu: nada menos que 63.6% dos eleitores desaprovam seu desempenho, segundo pesquisa Sensus/ISTOÉ publicada nesta edição. Outros fatores agravam sua situação no pleito. Em 2018, Bolsonaro se beneficiou da popularidade da Lava Jato, associando-se ao combate à corrupção. Agora, precisará explicar porque patrocinou o desmanche da operação, além das múltiplas investigações contra a sua família.

A crise do governo Bolsonaro facilita a vida de Lula. O petista pode explorar sua herança na área econômica e seu investimento em programas sociais. Em um momento com alta da pobreza , informalidade recorde (40,6% da população) e salários achatados (a renda média é a menor em quase dez anos), esse legado passou a ser fundamental. Mas precisará driblar o fracasso da “Nova Matriz Econômica” e a irresponsabilidade fiscal no governo Dilma. Para atenuar a pesada rejeição por conta da corrupção nos anos petistas, Lula tenta associar sua prisão por 580 dias em Curitiba ao período de sindicalista, quando também enfrentou o cárcere. Esse é o eixo central do livro Lula, recém-lançado pelo escritor Fernando Morais, que já se tornou uma peça de propaganda para tentar cravar uma imagem de injustiçado. E há dúvidas se o contorcionismo retórico funcionará na campanha. O PT martela na tecla de que o ex-presidente foi absolvido das diversas acusações pela operação Lava Jato, quando na verdade os julgamentos foram cancelados por questões processuais. Por mais que Lula tente colar em Sergio Moro a acusação de que agiu com motivação política e que a operação Lava Jato foi “uma farsa”, resta convencer o conjunto dos eleitores.

TRUCULÊNCIA Ciro Gomes reage a críticos em Curitiba, na campanha de 2018 (Crédito:Rodolfo Buhrer)

Lula também precisará lidar com as repercussões negativas de seu flerte frequente com a censura e com ditaduras. Ele voltou a defender a “regulação da mídia” — o controle da imprensa é um sonho antigo do seu partido. E as reiteradas manifestações a favor do regime chavista, de Cuba e do ditador Daniel Ortega na Nicarágua colocam à prova as intenções do candidato – mesmo que o petista não tenha, enquanto governou, cruzado a linha da democracia em nenhum momento. Mais do que isso, o namoro do PT com autocratas dificulta a crítica do partido contra o autoritarismo de Bolsonaro. Por isso, a ordem é deixar esse tema de lado. Acima de tudo, Lula vai explorar sua empatia com os pobres e tentar colocar-se como o único candidato capaz de debelar a fome e diminuir a desigualdade. O giro internacional para mostrar prestígio entre líderes mundiais visou lembrar sua figura de estadista. Os altos índices nas pesquisas eleitorais, que lidera mesmo sem ter-se declarado candidato (42,6% no voto estimulado, segundo a Sensus/ISTOÉ ), facilitam o trabalho para atrair apoios tradicionais na esquerda e mesmo do Centrão, grupo que apoia Bolsonaro, mas facilmente pode traí-lo. Se o petista se coligar com PCdoB e PSB, terá praticamente o mesmo tempo de TV e o mesmo acesso a fundos eleitorais que Bolsonaro.

A maior novidade nas eleições foi o lançamento da candidatura do ex-juiz Sergio Moro. Sua filiação ao Podemos pôs fim a meses de especulação. Os números respeitáveis de intenção de votos que obteve na largada (7,5% no voto estimulado, pela Sensus/ISTOÉ ) indicam que sua imagem de herói da moralidade e do combate à corrupção ainda é forte. Mas tem contra si as acusações de parcialidade na operação Lava Jato e a problemática passagem pelo governo Bolsonaro, quando seus projetos contra a criminalidade fracassaram e rompeu com o bolsonarismo. Moro precisará lidar com as acusações da esquerda e da direita e firmar-se na terceira via com um projeto consistente de poder. O lançamento do livro Contra o sistema da corrupção tenta defender seu legado e justificar sua trajetória, mas não resolve essas dificuldades.

Até o momento, Moro tem capitalizado setores que estão insatisfeitos com os dois polos da disputa (Lula e Bolsonaro). O presidente teme, com razão, que o ex-juiz prejudique especialmente sua candidatura, já que os dois disputam o eleitorado conservador e lavajatista. Mas a falta de traquejo político e de interlocução com parlamentares (meio em que coleciona inimigos) são obstáculos para consolidar a campanha e ganhar tração eleitoral. Se ele contar apenas com o Podemos, terá apenas 27 segundos de propaganda eleitoral. Dependeria de uma coligação com o União Brasil (ainda improvável), que daria um tempo aproximado de 1 minuto e 50 segundos. Até o início do próximo ano, Moro precisará passar pelo difícil teste do corpo a corpo eleitoral. “O grande problema é que vai sofrer uma campanha de ataque bem pesada da esquerda, pela prisão do Lula, e pela direita, que entende que é um traidor de Bolsonaro. Corre o mesmo risco da Marina Silva, que em 2014 apanhou dos dois lado”, avalia Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral.

REALIZAÇÕES João Doria no novo Museu do Ipiranga, vitrine de sua gestão (Crédito:Divulgação)

O papel de aglutinador da terceira via poderá ser conquistado pelo governador de São Paulo, João Doria, que tende a reunir o maior número de seguidores nesse grupo em uma campanha com capilaridade nacional. Na corrida de obstáculos para selar sua candidatura, ele conseguiu mais uma vez uma importante vitória ao vencer as prévias do PSDB, que só ocorreram por sua insistência. Foi o único processo do gênero entre os grandes partidos, e a terceira vez em que Doria é escolhido pelos tucanos para cargos majoritários. Com isso, enquadrou na prática a ala do partido que apoia Bolsonaro. “O Doria precisa recuperar o espaço do PSDB na política. A primeira tarefa é recuperar a ideia de que o partido reformista é o PSDB, uma legenda que consegue dialogar com grupos econômicos, fazer projetos de longo prazo”, analisa o cientista político Rafael Cortez.

O paulista usará a imagem de alguém que já tem uma ampla experiência na gestão pública e privada. Tem como vitrine um impressionante conjunto de obras a apresentar no próximo ano, além da gestão econômica que fez o PIB do estado se destacar em relação ao resto do País. Um ativo fundamental, reconhecido nacionalmente até pelos adversários, é ter sido o pioneiro da vacinação, com a introdução da Coronavac. Também realizou na prática o que Bolsonaro e Paulo Guedes prometeram e nunca fizeram: uma administração liberal na economia, com choque de gestão, privatizações e modernização na máquina pública. Doria conciliou isso com grandes investimentos em educação, saúde e programas sociais, uma prática que deve embasar seu programa para a campanha. O desafio para o governador é converter essas conquistas em intenções de votos. Atualmente, ele é o quinto colocado na preferência entre os eleitores. Até o momento, priorizou a batalha interna no partido e as conversas preliminares com outros nomes da terceira via (incluindo o próprio Moro e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta). Daqui em diante, aposta em pavimentar o caminho ao Planalto com uma estratégia de comunicação ambiciosa, de baixo para cima – como, aliás, fez nas disputas vitoriosas para a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado.

TRAQUEJO Sergio Moro no Planalto (2019), quando ainda era ministro (Crédito:Adriano Machado)

Em sua quarta disputa presidencial, Ciro Gomes se tornou o maior perdedor com o atual jogo de forças. Ele procurou se viabilizar como o grande nome da terceira via afastando-se da esquerda. “Cometeu um erro. Ao mesmo tempo em que queimou pontes com a esquerda, não é convincente para a direita”, avalia Cláudio Couto, cientista político da FGV-EAESP. “Vai ter sua eleição mais difícil porque mudou a narrativa, tentando encontrar um espaço à direita”, concorda o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira. E existe também o histórico de truculência verbal de Ciro, que lhe custou pontos preciosos em campanhas anteriores. “É algo difícil de reverter. Incomoda muito as pessoas e dificulta a aproximação com eleitores e outros protagonistas da classe política”, diz Couto. O ex-governador do Ceará também foi afetado pela entrada em cena de Moro, que atrai o eleitor mais conservador.

Dificilmente outros nomes da terceira via conseguirão avançar sobre esse pelotão. É o caso da senadora Simone Tebet (MDB), do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e do próprio Mandetta (União Brasil), que já ensaiou desistir de sua pré-candidatura. Num pleito que se voltou novamente para a política tradicional, não deve sobrar espaço para outsiders. Nem alianças exóticas. A aproximação tentada por Geraldo Alckmin com Lula não parece ter o potencial de seduzir o eleitor – ao contrário, o ex-governador já sente o abalo em sua própria base conservadora do interior paulista. É um movimento que só favoreceu Lula para atrair o público que tradicionalmente votava nos tucanos. Na comunicação, igualmente, será novamente o pleito das campanhas tradicionais. O vale-tudo das redes sociais será coibido pelo TSE após os ataques antidemocráticos do bolsonarismo, e o próprio presidente será cobrado a participar dos debates – o que não fez em 2018, após o atentado à faca. O eleitor espera que, pelo menos parcialmente, a saturação das fake news e a guerra subterrânea na internet dê lugar a um debate que possa tirar o País do retrocesso e do atraso populista.

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