Geléia tucana - Por Merval Pereira / O GLOBO
PSDB e PT, que disputaram a liderança política do país durante 20 anos, até 2014, podem voltar a ser decisivos na eleição de 2022, em situações paradoxais muito próprias da geléia geral partidária brasileira.
Uma chapa com Lula para presidente e Geraldo Alckmin para vice deixou de ser “impensável” para ser “possível”, o que pode influir decisivamente no resultado final. O ex-presidente Lula, aproximando-se de Alckmin, dá passos largos em direção ao centro, mesmo que seja apenas um gesto político, que dificilmente se transformará em mudança de seu programa de governo.
O PT deve continuar sendo estatizante e controlador de áreas estratégicas, como a informação e comunicação, a cultura, a educação. Assim como o governo Bolsonaro de início deixou a área econômica com o “Posto Ipiranga” liberalizante e acabou controlando o setor com intervenções estatais e visão estatizante.
Mas a hoje possível, mas não provável, ida de Alckmin para um partido aliado do PT, a formar uma chapa presidencial, teria inicialmente o condão de mexer com a briga interna do PSDB, que caminha para uma prévia fratricida. O partido teria em São Paulo, sua principal base política, uma cunha importante com os adeptos de Alckmin querendo derrotar o governador, que consideram um traidor.
Doria, porém, poderia eleger seu candidato ao Palácio Bandeirantes, o vice-governador Rodrigo Garcia, fortalecendo sua campanha presidencial caso vença as prévias. O PSDB, no entanto, está estraçalhado pelas brigas internas. A bancada tucana na Câmara tem sido uma aliada não declarada do governo Bolsonaro, e a partir de quando se declarou “oposição”, por esses estranhamentos da política brasileira, passou a votar ainda mais alinhada ao governo.
Antes, quando fazia parte formal da base do governo na Câmara, o apoio era de cerca de 75% aos projetos do governo, hoje, passou a cerca de 85%. Na votação da PEC dos Precatórios, com toda a polêmica gerada na oposição, o apoio da bancada tucana foi de 65%. Essa lealdade deve-se principalmente à atuação do deputado federal mineiro Aécio Neves, que mantém sua influência no partido. A partir de Minas Gerais, uma das mais importantes seções da legenda, Aécio comando uma oposição ao governador João Doria e apoia o governador gaúcho Eduardo Leite nas prévias presidenciais.
Dos 53 deputados mineiros, 37 votaram com o governo na PEC dos Precatórios. Com isso, Doria tem marcado uma posição mais oposicionista ao governo federal, além de ter a chancela da vacina Coronavac para pavimentar seu caminho à vitória nas prévias e posterior candidatura presidencial. Mas Eduardo Leite tem apoio de seções importantes, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, os três maiores colégios eleitorais depois de São Paulo no partido.
Se derrotar Doria, Leite se tornará o fato novo mais importante das eleições, juntamente com o ex-juiz Sérgio Moro. Se o governador paulista vencer, terá pela frente um partido dividido que dificilmente terá espaço para a reconciliação, com parte dele aderindo à candidatura de Bolsonaro. O eleitorado tucano que abandonou Alckmin em 2018, deixando-o com menos de 5% dos votos, pode ajudar Lula em 2022, decepcionado com o governo Bolsonaro. Ainda mais com Alckmin como vice.
Especialmente em São Paulo, onde os tucanos sempre saem à frente com largas vantagens que não parecem esperar o governador Doria, caso ganhe as prévias. Já o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite perderia um apoio importante do próprio Alckmin se vencer as prévias. Alckmin é o favorito para o governo de São Paulo e pode esperar por uma vitória de Leite para decidir para onde ir, ou mesmo ficar no PSDB caso a derrota de Doria o enfraqueça dentro de seu próprio território. Mas mesmo que tenha que deixar o partido que ajudou a fundar, mas não aceitar ir para a órbita de Lula, o ex-governador Alckmin poderá apoiar Leite, trazendo boa parte dos tucanos paulistas