Busque abaixo o que você precisa!

Pesquisa eleitoral e propaganda enganosa

Francisco Paes de Barros, Radialista, O Estado de S.Paulo

21 de agosto de 2021 | 03h00

O eminente jurista Gustavo Zagrebelsky, que foi presidente da Corte Constitucional da Itália, explicou que “a democracia das pesquisas de opinião não é estruturalmente uma democracia; a existência de pesquisas de opinião não é a prova da existência de uma democracia”. E prosseguiu: “As autocracias – como a de (Pôncio) Pilatos – podem usar as pesquisas de opinião sem desmentir-se, mas proíbem livres eleições. Há uma razão para isso: por meio da pesquisa de opinião registra-se uma força, que poderá ser utilizada pelos interessados como melhor lhes convier. Por meio de eleições se exerce uma autoridade. O povo pesquisado é um objeto; o povo que vota é um sujeito”.

Gustavo Zagrebelski levou adiante seu raciocínio: “O povo das pesquisas, como a multidão em frente do Pretório, é passivo, inclusive por outra razão – o isolamento em que seus componentes são mantidos. A ‘amostra’ (a multidão) é como um sujeito unitário instigado por influências e palavras de ordem coletivas. Mas a sua ‘alma única’ é o resultado de muitas solidões individuais. A multidão, na praça ou na amostragem das pesquisas de opinião, atua como soma de átomos que não interagem, não trocam conhecimentos e opiniões, não podem implantar uma discussão, não podem iniciar uma ação coletiva. Na massa, os indivíduos se perdem. Podem somente ‘formar a massa’, isto é, adicionar a contribuição do seu peso a um movimento que já existe. Mas, não podem determiná-lo.” (A Crucificação e a Democracia – Editora Saraiva).

No Brasil, Márcia Cavallari Nunes, que foi diretora do extinto Ibope, escreveu o artigo O papel da pesquisa eleitoral, em que definiu: “É preciso considerar que a pesquisa de intenção de voto é apenas mais uma fonte de informação disponível durante uma campanha eleitoral e o acesso à informação faz parte do processo democrático. Cabe ao eleitor decidir se e como usar todas as informações”.

Márcia prosseguiu em seu texto: “O segundo papel que cumprem as pesquisas durante uma campanha é auxiliar a equipe de marketing dos candidatos na definição de estratégias. Pesquisas desse tipo são realizadas com o objetivo de entender o contexto político, econômico e social no qual a eleição se insere. Levantam as demandas da população para elaboração de políticas públicas e planos de governo, assim como avaliam os pontos fortes e fracos de cada candidatura, a comunicação da campanha, o desempenho dos candidatos nos debates, etc.”.

Com a experiência de ter comandado o Ibope, então um grande instituto especializado em pesquisas, Márcia completou: “Aqueles que souberem usar melhor esses resultados levam vantagem na disputa, já que uma das competências do marketing político é a habilidade em lidar com as informações positivas e negativas de cada candidato, da melhor maneira possível” (Site “Marqueteiros – Comunicação para a Democracia” – 31/3/2015).

Por sua vez, Erico Ferrari Nogueira, mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília, explicou: “Mesmo que a informação divulgada em pesquisas eleitorais seja correta, e não tendenciosa, pode ser considerada antidemocrática, em face da influência no poder decisório do voto. Identifica-se, neste contexto, o que se denomina de ‘voto útil’. De outra parte, mesmo que se alegue não haver estudos precisos e conclusivos acerca do grau de influência das pesquisas na capacidade-poder de escolha do eleitor, sua mera possibilidade, por si só, autoriza uma rediscussão do tema mediante estudos mais verticalizados acerca da possível restrição desse direito, de modo a não se permitir qualquer tentativa de ataque à soberania popular” (As pesquisas eleitorais).

Diante dessas três argumentações, quero chamar a atenção para um fato que afeta eticamente o sistema eleitoral brasileiro: as pesquisas são usadas em determinados casos por profissionais que têm o dom da criatividade de transformar candidatos medíocres ou de reputação duvidosa em “salvadores da pátria” (fake news). Essa manobra (propaganda enganosa) leva o eleitor a confundir a verdade com a mentira.

Diante dessa realidade fictícia, o eleitor é pesquisado e a divulgação dos resultados de intenção de voto às vésperas das eleições pode induzir o eleitor a erro.

O horário político, ocupado pelos “salvadores da pátria”, se consagrou ao culto da mentira (fake news/propaganda enganosa). É possível salvá-lo, opondo a essa idolatria uma autêntica “religião da verdade”. Para tanto, é preciso acabar com as superproduções dos programas eleitorais, padronizando o seu formato: simples e de baixo custo, ao alcance de todos os candidatos, ricos e pobres. Assim sendo, cada candidato apresentará suas reais qualidades, defeitos e programas de governo, sem os habituais marqueteiros vendedores de falsos mitos e de projetos inexequíveis. Assim, as pesquisas de intenção de voto, tendo como base a verdadeira realidade dos candidatos, mostrarão as tendências para a eleição. Trata-se, portanto, de uma informação de utilidade pública.


 

Compartilhar Conteúdo

444