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Polarização não significa disputa entre extremos, diz Cláudio Couto

Por Bernardo Mello Franco / O GLOBO

 

Polarização eleitoral não é sinônimo de disputa entre extremos, afirma o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.

Ele diz que o presidente Jair Bolsonaro deverá ser o único radical no páreo em 2022. E aposta que o ex-presidente Lula buscará uma aliança “além da esquerda” para enfrentá-lo.

O professor avalia que a volta do petista reduz o espaço para pré-candidatos que tentam se apresentar como alternativas de centro.

Para Couto, o país vive um processo de “deterioração democrática”, marcado pela hostilidade do governo à cultura, à imprensa, às universidades e às organizações da sociedade civil.

Leia a seguir trechos da entrevista:

O que muda com Lula livre para disputar eleições?

É um movimento muito importante no cenário de 2022. Lula fez um discurso mais amplo, falou em conversar com setores conservadores. Buscou mostrar que não é extremista, que é diferente do atual presidente. Foi um discurso de candidato, sem dúvida.

Para o governo, a volta de Lula é um abalo sísmico. Ele já obrigou Bolsonaro a usar máscara e botar um globo terrestre na mesa (em transmissão ao vivo na quinta). Isso mostra que o presidente acusou o golpe.

Como seria uma candidatura Lula em 2022?

Lula está claramente em busca de uma aliança que vá além da esquerda. Isso significa que ele tentará atrair partidos da base do governo, como o PSD. Muita gente que está com Bolsonaro hoje não vai acompanhá-lo até o cadafalso.

O discurso mostrou uma estratégia eleitoral clara. Havia um debate sobre a construção de uma candidatura de centro, alternativa a Lula e Bolsonaro. O que Lula quis dizer foi: "O candidato de centro sou eu". Isso muda o cenário, e vai tornar a vida do Ciro Gomes particularmente difícil.

Lula ainda é eleitoralmente viável após a prisão na Lava-Jato? 

Lula não voltará a ser o que era em 2010, quando deixou o governo. No entanto, não estamos mais em 2016, quando o Congresso aprovou o impeachment de Dilma Rousseff e o PT perdeu 60% das prefeituras na eleição municipal. O antipetismo ainda é forte, mas mas passou a ser contrastado pelo antibolsonarismo.

Em 2018, candidatos ditos de centro somaram menos de 10% dos votos. Como fica este campo numa disputa com Lula e Bolsonaro?

Já está claro que não vai haver espaço para todo mundo. Alguns pré-candidatos correm o risco de repetir o que aconteceu com a Marina Silva, que encolheu de 20% para 1% em 2018.

Os candidatos à esquerda de Bolsonaro e à direita de Lula deverão lutar por cerca de um terço do eleitorado. Se houver dois candidatos nessa faixa, a coisa já complica.

Entre os pré-candidatos, quem parece ser mais viável?

Não creio que João Doria tenha potencial para se expandir além das fronteiras de São Paulo. O governador paulista sempre é visto como um candidato forte, mas o último a chegar à Presidência foi Jânio Quadros, em 1960.

Não sabemos se Luciano Huck quer ser presidente ou substituto do Faustão. Se eu fosse fazer uma aposta hoje, apostaria no Luiz Henrique Mandetta. Ele pode se apresentar como uma voz de sensatez na direita moderada.

E o ex-ministro Sergio Moro?

Moro sofreu muito desgaste e perdeu fôlego como fenômeno de massa. Ele parece não levar jeito para a coisa. Talvez seu momento tenha passado. 

É correto dizer que o país pode se polarizar entre dois extremos em 2022?

Na literatura de ciência política, polarização é um confronto entre alternativas claras. É uma disputa entre dois polos, não necessariamente entre dois extremos. Por muitos anos, as eleições presidenciais foram polarizadas por PT e PSDB, e nenhum deles era extremista.

Não creio que Bolsonaro e Lula sejam comparáveis. Dizer que Lula é um extremista não só é uma rematada bobagem, como pode levar a uma escolha desastrosa. Em 2018, esse discurso levou a uma falsa simetria entre Bolsonaro e Fernando Haddad.

Depois de dois anos de governo, Bolsonaro pode ser classificado como um extremista?

Sem a menor dúvida. O Brasil está sofrendo um processo de deterioração democrática. Bolsonaro enxerga quem não se curva a ele como um inimigo a ser destruído. E reproduz essa lógica na relação com a cultura, a educação, as universidades, as organizações da sociedade civil.

O extremismo também está claramente configurado na negação da ciência, na ideia de que é preciso pegar em armas contra os governadores e prefeitos que não se alinham a ele.

Chamo Bolsonaro de fascista subletrado. O culto a morte e à violência, que está presente no discurso dele, é uma características do fascismo. A frase do general franquista Millán-Astray, "Abajo la inteligencia, viva la muerte!", caberia neste governo.

Como o presidente chegará a 2022?

Ele tende a sofrer uma corrosão, como já disse o senador Tasso Jereissati. A questão é que o bolsonarismo tem raízes profundas no nosso modo de ser. Por isso ele mantém o apoio firme de parte do eleitorado, por mais barbaridades que diga.

Em caso de derrota, Bolsonaro vai aceitar o resultado das urnas?

O cenário é muito preocupante. Nós vimos o que aconteceu nos EUA com a invasão do Capitólio após a derrota de Donald Trump.

A principal variável é saber o tamanho do desgaste de Bolsonaro, se ele sairá da eleição com apoio significativo ou não. Se ele sair muito frágil, terá dificuldade para mobilizar os grupos radicalizados que o apoiam.

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