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Pela 1ª vez neste século, 264 municípios do país terão prefeitas, sendo 33% negras

MOGI DAS CRUZES (SP) e SÃO PAULO

Em 264 municípios brasileiros, pela primeira vez neste século uma mulher foi eleita prefeita, 98% deles com menos de 100 mil habitantes, segundo levantamento da Folha com dados da eleição municipal deste ano. Dentre essas eleitas, 33% são negras, somando as autodeclaradas pardas (83) e pretas (5).

Neste ano, 652 mulheres foram eleitas para os Executivos municipais, o que representa 12% do total de prefeitos eleitos. Desse número, 32% são negras, sendo 199 pardas e 10 pretas.

Em relação a 2016, o quadro se manteve estável, apesar da reserva de 30% dos recursos públicos de campanha para mulheres a partir de 2018. Das 383 que tentavam reeleição, 32% conseguiram.

Para a cientista política Flávia Biroli, professora da UnB (Universidade de Brasília), o número de eleitas para o Executivo é muito ruim. De 5.568 cidades brasileiras, 60% nunca tiveram uma prefeita mulher, apesar de elas representarem 52% da população.

“Está muito aquém do que a gente poderia esperar em participação política. Também está abaixo em países latino-americanos”, diz Biroli, destacando que entre as capitais apenas Palmas elegeu uma prefeita: Cinthia Ribeiro (PSDB).

Entre as cidades que pela primeira vez em duas décadas terão prefeitas negras, a mais populosa é Bauru, município do interior paulista com 379 mil habitantes que elegeu a jornalista Suéllen Rosim (Patriota), 32.

 

Rosto conhecido pela população local, ela foi repórter e apresentadora da TV Tem, afiliada da Rede Globo, posto que deixou em 2018 para entrar na política.

“A motivação maior é a vivência que o jornalismo me trouxe e poder de alguma forma executar coisas que não poderia fazer enquanto apresentadora, por exemplo”, afirma Suéllen, que frequenta a igreja evangélica pentecostal Ministério Produtores de Esperança e se identifica como conservadora.

Numa campanha sem coligação e com apenas 14 segundos de propaganda eleitoral, ela conta que investiu nas redes sociais e nas ruas. Suéllen também diz ter contado com o apoio da legenda, que ela preside na cidade, além de coordenar as atividades de 25 municípios.

O trabalho junto à população também foi essencial para a eleição de Patrícia Mendes (Republicanos), 33, em Marituba, município de 134 mil habitantes na região metropolitana de Belém.

Empresária e católica da Renovação Carismática, ela conta que nunca tinha se envolvido na política, mas junto com o marido sempre foi atuante em bairros mais vulneráveis, onde fazia ações sociais em datas especiais, como Natal e Dia das Crianças.

Isso a fez ganhar a simpatia da população, que a incentivou a disputar um mandato.

“Comecei a receber convites da população, que ia na minha loja e perguntava por que não me colocava à disposição. Comecei a andar sem partido nenhum, só com a cara e a coragem. O meu trabalho começou a ter visibilidade em Belém e recebi convites de ‘N’ partidos”, conta. Ela afirma ter se filiado neste ano ao Republicanos.

Pela mesma legenda, Nadegi Queiroz, 65, foi reeleita prefeita de Camaragibe, município de 158 mil habitantes na região metropolitana do Recife. Em 2016, ela foi vice na chapa de Demóstenes Meira (PTB), que foi afastado em novembro de 2019 sob suspeita de corrupção.

“O maior desafio foi entrar depois de um afastado, pegar uma administração com desemprego, falta de recursos, ter Covid, que para mim é um dos piores problemas de saúde que existem na face da Terra e fazer política e ganhar uma eleição”, diz.

Médica ginecologista, Nadegi afirma que rompeu com Meira logo no primeiro ano de mandato, após ele ter lhe pedido para encerrar contratos e fechar unidades de saúde.

Na política há mais de 20 anos, ela já havia sido vice-prefeita, vereadora e secretária da saúde de São Lourenço da Mata, também na região metropolitana do Recife. Nessa trajetória, ela conta que, além da tripla jornada para criar os dois filhos, enfrentou por várias vezes o machismo.

“Quando chega no palanque, os homens ficam na frente e você fica lá atrás. Você tem dificuldade de passar o dia estudando para à noite fazer uma bela fala, porque os homens passam o dia conversando, e a mulher está dentro de casa, tomando conta do marido, do filho e só à noite vai para a política”, diz.

Mãe de três filhos em idade escolar, Patrícia também teve apoio da família e de empregadas mulheres para conseguir fazer campanha. O dia a dia, porém, foi marcado por ofensas, rotina vivida por todas elas.

“Recebi muitos ataques por ser mulher, porque os machistas acham que não temos capacidade. Diziam que não era para estar na política, mas em casa cuidando de filho, de marido. Recebia um ataque e era a pilha para dizer: você pode, você consegue”, conta Patrícia.

Suéllen afirma que recebeu ataques racistas a partir do sábado anterior à eleição. Uma das mensagens publicada em rede social dizia: “Bauru não merecia ter essa prefeita de cor com cara de favelada comandando nossa cidade. A senzala estará no poder nos próximos quatro anos”.

Biroli afirma que um ponto importante é o avanço em relação ao reconhecimento da violência contra as mulheres na política.

“Se temos casos extremos, como o da Marielle [Franco, vereadora no Rio de Janeiro assassinada em 2018], temos uma pluralidade de casos em que essa violência se apresenta de forma muito forte, com ameaças à vida dessas mulheres, mas também de assédio e violência simbólica."

A cientista política defende a criação de uma legislação específica para o tema e também um comprometimento dos partidos com a violência sofrida pelas candidatas, por adversários e integrantes da própria legenda.

A partir de 2021, Suéllen, Patrícia e Nadegi afirmam que políticas para enfrentar a violência contra mulheres e conscientizar a população sobre o machismo serão prioritárias em seus governos.

“Hoje sendo uma prefeita exemplo na denúncia, na coragem, a gente já ganha esse grande diferencial. O que a gente vai fazer é intensificar e não admitir dentro da nossa estrutura de prefeitura qualquer tipo de ação como a que eu vivi”, diz a prefeita eleita de Bauru.

Patrícia promete investir em parcerias com empresas para empregar mulheres.

“É todas por todas, independente de raça e credo. Vamos sim num futuro bem próximo viver num país, numa cidade onde as mulheres estejam inseridas no Legislativo, no Executivo e também no Judiciário."

Nadegi fala com orgulho que a maioria de seu quadro técnico é formado por mulheres, destacando negras à frente da Secretaria de Saúde e a comandante da Guarda Municipal. Ela também destaca a chegada da brigada Maria da Penha e um laboratório LGBT.

“Temos incentivado os diferentes, para que se tornem iguais."

CIDADES COM MULHERES PREFEITAS

>> 652 mulheres eleitas prefeitas

32% são negras (199 pardas e 10 pretas)

32% das 383 prefeitas foram reeleitas

>> 264 municípios terão prefeitas mulheres pela primeira vez

33% são negras (83 pardas e 5 pretas)

60% dos 5.568 municípios nunca tiveram uma prefeita mulher

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