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2018 impõe ao PT desafio de preparar o pós-Lula

Ainda que Fernando Haddad vencesse Jair Bolsonaro neste domingo, hipótese que o Datafolha indica ser menos provável, o Partido dos Trabalhadores não se livraria de um desafio que a campanha de 2018 lhe impôs. A legenda terá de migrar do atual estágio de lulodependência para uma fase que pode ser chamada de pós-Lula. Não se trata de opção, mas de fatalidade.

Preso, Lula festejou neste sábado, pela segunda vez, seu aniversário de 73 anos. Com mais de 12 anos de cadeia nas costas, está na bica de colecionar uma segunda sentença criminal, dessa vez no caso do sítio de Atibaia. Na sucessão de 2022, sua veneranda figura acumulará uma existência de 77 primaveras. E continuará inelegível. Lula tornou-se um líder político com um enorme passado pela frente.

Na hipótese remota de uma obter uma vitória neste domingo, Haddad teria de reconhecer que foi salvo pelo voto útil. Estaria condenado a compor um governo maior do que o PT. Para isso, teria de parar de arrastar as correntes de Lula. Confirmando-se a derrota, o PT fará o que faz de melhor: oposição. A parte difícil será a fisioterapia política a que a legenda terá de se dedicar para começar a andar sem a sua muleta. Sob pena de ficar para trás.

Ainda marcado pelas escoriações das cotoveladas que recebeu de Lula no primeiro turno, Ciro Gomes lançou neste sábado uma dupla candidatura. Disputará com o petismo a liderança da oposição: “O que precisa para o Brasil a partir de segunda-feira é que a gente construa um grande movimento que proteja a democracia e a sociedade mais pobre”.

De resto, Ciro antecipa 2022, oferecendo-se desde logo como “um caminho em que a população brasileira amanhã possa ter uma referência para enfrentar os dias terríveis que estão se aproximando.” Haddad poderia fazer o mesmo. Mas os votos que receberá não lhe pertencem. Uma parte veio da herança de Lula. Outra, da rejeição a Bolsonaro. De resto, a maioria do petismo quer desligar Haddad da tomada, não convertê-lo em líder de seja lá o que for.

O PT vem perdendo espaço na preferência do eleitorado desde 2010, na eleição de Dilma Rousseff. Lula prevaleceu em 2002 e 2006 com 61% dos votos válidos. Em 2010, Dilma foi enviada ao Planalto com 56%. Em 2014, já com o semblante de ex-gerentona, Dilma passou raspando na trave, com 52%. No Datafolha deste sábado, Haddad somou 45% dos votos válidos. Se sair das urnas desse tamanho, o PT retornará a 1989, quando Lula obteve 47% dos votos válidos, perdendo para Fernando Collor, com 53%.

Está entendido que o eleitorado cobra do PT, em prestações, a fatura dos mensalões, dos petrolões e da gestão empregocida de Dilma. Tudo tem vinculação direta com Lula. Os escândalos têm raízes fincadas nos seus dois mandatos. É de sua autoria a lenda segundo a qual Dilma seria uma supergerente. Vem daí o fato de que o lulismo que empurrou Haddad para o segundo turno tornou-se menor do que o antipetistmo que deve levar Bolsonaro ao Planalto.

Na sua primeira manifestação depois que Sergio Moro o condenou no caso do Tríplex, Lula declarou: “Se alguém pensa que com essa sentença me tirou do jogo, podem saber que eu estou no jogo. Até agora, eu não tinha reivindicado, mas agora eu reivindico do meu partido o direito de ser candidato a presidente.”

O PT sujeitou-se gostosamente à penitência. Por uma razão muito simples: faltava ao partido uma alternativa. Lula não permitiu que ela surgisse. O socialismo petista é movido por uma fé de inspiração cristã. O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. O partido se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moral, que não deve contas a ninguém.

Em abril, quando teve a prisão decretada, Lula refugiou-se no bunker do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Antes de se entregar à Polícia Federal, fez um comício. Mandou um recado para dentro do partido: “Se alguém quiser ganhar de mim no PT, só tem um jeito: é trabalhar mais do que eu e gostar do povo mais do que eu, porque se não gostar, não vai ganhar”.

Na sequência, Lula falou para a plateia de fora do PT. Disse à multidão que a prisão não iria silenciá-lo: “Eles têm que saber que vocês são até mais inteligentes do que eu. E poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas que tanto vocês queiram, fazer ocupações no campo e na cidade…” A revolta social revelou-se uma ficção.

Na prática, o palavreado radioativo teve consequências deletérias no campo jurídico e na seara política. Juridicamente, o timbre de Lula reforçou uma linha de confronto que o transformou num colecionador de derrotas nos tribunais. Politicamente, o veneno condenou o PT a reviver uma realidade da época em que fazia campanhas com o objetivo de converter os convertidos.

As urnas estão prestes a revelar que a multiplicação do amor dos devotos petistas por Lula não trará de volta os votos da classe média. O pedaço conservador do eleitorado, que acreditou na Carta aos Brasileiros —aquele documento em que Lula renegou o receituário radical que o impedia de chegar à Presidência da República— tomou-se de ojeriza pela estrela vermelha.

Aos poquinhos, o Lula mitológico, fruto de uma construção político-religiosa, vai virando um personagem de carne e osso. Perde a aura de vítima. Vira um político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. O PT não tem como se livrar de Lula. Nem seria o caso, pois a legenda perderia sua própria alma. Mas é preciso abrir espaço para que outras palmeiras cresçam no gramado. De novo: não se trata de opção, mas de fatalidade. JOSIAS DE SOUZA

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