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Nova República começou com camisetas amarelas e com elas se encerra

Esta semana acumula dois dias dos mortos. A sexta-feira (2) evocará quem já se foi. Este domingo (28) enterra um sonho.

Os sinos anunciam a morte da quimera, a democracia socialmente justa. Começada com camisetas amarelas, a Nova República com elas se encerra. As de 1984 diziam: "Eu quero votar pra presidente". As de agora estampam a justiça divina e a pátria no lugar da igualdade e da liberdade.

Os perdedores dos anos 1980 aceitaram seu papel constitucional e se recolheram aos quartéis. Aos de 2018, o provável eleito escancarou outras portas: a prisão e o exílio. São as mesmas de 1964.

Por muito tempo tentaremos entender como o sonho azedou em pesadelo. Circula leitura na linha da entrada das massas na política. Gente ignorante e ressentida, de pulsões destruidoras.

A hipótese não é nova, reaparece em todas as crises, no final do século 19, nos anos 1920, nos 1940, nos 1960. E não é boa. A dimensão psicossocial tem sua relevância, mas massa xinga, quebra, lincha, não faz política institucional.

Para vencer uma eleição presidencial é preciso método, recurso e, sobretudo, capacidade de coordenação de elites sociais. A candidatura de Bolsonaro não se assenta em massa invertebrada. Desde seu lançamento, dois anos atrás, o deputado-capitão logrou inserção sólida em setores organizados.

Um endosso é o mais falado, o do "mercado". A entidade etérea se materializa em financistas de dinheiro volátil e em gurus doutores, que rezam pela bíblia de Paulo Guedes. Creem em seu liberal-privatismo acima de tudo. Isto garantido, o mais é "externalidade". 

Há os empresários de prata empatada na produção. O dono da Havan exprime bem o biotipo muito lucro-pouco lustro, que vê os direitos trabalhistas como canga sobre o empregador. Queixa vocalizada pelo general candidato a vice, que pragueja contra "penduricalhos" como o 13º salário.

Soma-se parte do agronegócio, com fé em uma mão firme para conter mobilizações no campo e restringir o perímetro da proteção ambiental e de reservas indígenas. Se o preço for tratar "ativismo" como "terrorismo", paga-se o pedágio.

Outra sustentação vem da rede de igrejas pentecostais. Bolsonaro se inseriu nela teatralmente: batizou-se na terra sagrada de Israel, lavado na água santa do rio Jordão e benzido pelo pastor Everaldo, do PSC. 

Foi bem no dia do afastamento de Dilma da Presidência: "Do mar da Galileia/Israel, Bolsonaro parabeniza a todos os brasileiros que lutaram por esse momento". O ato uniu religião e política e sagrou a liderança de um varão forte capaz de reconduzir família e Estado de volta ao reino da moralidade. Hierarquia divina e secular se completaram, escoradas na Lei de Talião.

O pilar mais entusiasmado é o de militares de baixa patente, o povo da caserna, e da Polícia Militar, com sua reverência à "caveira", que o candidato saudou na campanha. Para esse contingente de cabos eleitorais disciplinadíssimos, o "mito" é um guerreiro estoico, reto, pronto a salvar a pátria. 

E disposto ao sacrifício, pois os bravos travam o combate —põem mesmo a vida em risco— para que as famílias durmam em paz. Esse ethos magnetiza o cidadão de bem, desamparado ante o crime comum, ansioso por salvar a pele com seu próprio revólver.

Por fim, há uma rede extensa de microempresários e profissionais liberais de índole modernizadora. Treinados nas novas tecnologias, veem o Estado como letárgico, gordo, corrompido, drenando impostos "excessivos" para serviços ineficientes. 

São antipetistas proselitistas e eficazes produtores e disseminadores de vídeos, memes, posts, páginas de Facebook, grupos de WhatsApp.

Esses setores heterogêneos —e outros menos vistosos— são distintos entre si. Não compõem massa amorfa de cordeiros seguindo o lobo. Cada um deles tem seus próprios motivos —e recursos— para alavancar Bolsonaro. Sua possível vitória se deve a erros do adversário, vide a dificuldade de tecer alianças, mas sobretudo à costura entre esses retalhos sociais tão variados. 

Resta saber se o pulso forte deste Noé conterá todos os animais de sua arca até que o pássaro volte com o raminho verde indicando a terra firme do pós-petismo.

Mais provável é que, durante o aguaceiro, as jiboias engulam até os elefantes. Se assim for, o dobre de Finados evocará mais do que os torturados e os mortos do dilúvio de 1964. Será também um badalo em honra dos bichos insubmissos, confinados ao curral dos presídios ou lançados às trevas do ostracismo.
Pense neste juízo final ao encarar a urna. E reze por sua própria alma.

Angela Alonso

Professora de sociologia da USP, preside o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. É autora de “Flores, Votos e Balas”. FOLHA DE SP

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