Profecia autorrealizável?
Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
03 Outubro 2018 | 03h00
Uma profecia autorrealizável é um prognóstico que, ao ser tomado como crença por quem o repete, acaba por provocar sua realização. O crescimento de Jair Bolsonaro a despeito de muitas circunstâncias adversas foi construído de maneira engenhosa por seus apoiadores muito com base nesse mecanismo simples, mas que foi usado com brilhantismo.
Começou com a construção da mitologia em torno de um deputado saído diretamente do folclore do baixo clero politicamente incorreto, ganhou alicerces nas redes sociais antes mesmo de ter um partido, tão fundados que prescindiram da antes poderosa propaganda em rede nacional de TV, e mostrou ser uma máquina muito bem azeitada, na verdade, depois do atentado a Bolsonaro.
Ali a estrutura que muitos – incluídos aí nós, jornalistas – julgavam mambembe se mostrou sofisticada no que tinha de organicidade, mas também de cálculo político.
Diante do início da pregação de candidatos como Geraldo Alckmin de que Bolsonaro perderia para o PT num eventual segundo turno, seus apoiadores retrucaram (ele próprio estava incapacitado de fazê-lo, por estar no hospital) imediatamente com a forte pregação para que lhe fosse, então, dada a vitória já no primeiro turno, como forma de se precaver para a volta do petismo.
A eficiente rede de propagação da profecia, via WhatsApp e redes sociais, muitas vezes operando no limite da irresponsabilidade, com a disseminação da versão segundo a qual uma não vitória seria fraude, ajudou a engrossar o caldo.
Por fim, a reação também imediata ao #EleNão, com um #EleSim no dia seguinte, acabou por cristalizar os votos que Bolsonaro já tinha e trazer outros entre relutantes e antes envergonhados, mas que foram saindo do armário com o álibi virtuoso de que tudo é melhor que a volta do PT.
Os últimos quatro dias serão de carga total para realizar a profecia já no domingo. Os adversários, por ora, se mostram como baratas tontas diante do bonde do capitão. Discursos de apelo à racionalidade ou ao voto útil, críticas ao histórico de declarações e votos de Bolsonaro, nada cola nele. E a rejeição a Fernando Haddad, que galopa na mesma velocidade da transferência de votos de Lula, pode ajudar com os pontos que faltam.
MERCADO
Declaração de Bolsonaro por privatizações ajudou euforia
Agentes do mercado financeiro diziam ontem que a euforia que se abateu sobre o setor, com alta da Bolsa e queda do dólar, foi impulsionada, além da pesquisa Ibope que mostra uma possibilidade de vitória do candidato do PSL já no primeiro turno, pela declaração que ele deu na segunda-feira nas redes sociais favorável a privatizações. Tanto que as ações de estatais puxaram a alta.
Bolsonaro já havia dito isso antes, desde que começou seu namoro liberal com Paulo Guedes, mas ter reforçado às vésperas do pleito, depois de alguns ruídos em matéria econômica causados por integrantes da campanha, foi como música para os ouvidos dos bancos, fundos e corretoras. O mercado está tão “comprado” em Bolsonaro que já projeta o dólar abaixo de R$ 3,70 na semana que vem caso se concretize a profecia de vitória já. A torcida reflete o medo da capacidade do PT de se fortalecer no segundo turno, como ocorreu com Dilma Rousseff mesmo desgastada em 2014.