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Dilma tardia

CARLOS ANDREAZZA 

Nada me parecia mais exótico nesta excêntrica corrida eleitoral do que a absoluta ausência, do que a inexploração, do maior trauma político do Brasil recente: Dilma Rousseff — entre os mais doridos baques da história eleitoral brasileira. Uma obviedade. No entanto, até semana passada era como se Dilma — a tragédia Dilma, ativo potencial poderoso na mão dos adversários — jamais houvesse existido.

 

Por quê?

 

Para muitos, dirá em breve o povo de Minas Gerais, a ex-presidente teria sofrido suficientemente, pagado já sua conta, com o processo de impeachment; e então se tornado café com leite, poupada de ter exposto o conjunto de crimes e incompetências que caracterizou sua presidência, e aparentemente desejada até para o Senado. Eis uma hipótese. Essa, contudo, seria uma história relativa ao eleitorado. Mas: e os adversários?

 

O único cujo desdém por Dilma tem explicação político-eleitoral é Jair Bolsonaro. Sem dúvida, o receptáculo soberano da materialização eleitoral do desprezo ao lupetismo, ele sempre ignorou a ex-presidente, que só lhe foi alvo quando para atingir Lula. Sua mira sempre esteve no senhor do PT, com quem melhor interessaria polarizar — o que o deputado soube (sabe) fazer com maestria. Sobretudo por isso está onde está. Em matéria de antagonizar com o lulopetismo, está em outra categoria. Mas: e os outros adversários?

 

Para acrescentar cinismo à extravagância, e também para distinguir a linguagem política profissional, foi um correligionário, Fernando Haddad, ainda antes de ser oficializado candidato de Lula, o primeiro a jogar Dilma aos leões — tudo combinado. Ele sempre soube que precisaria estar longe de sua antecessora quando chegasse sua vez de ser luloposte. O discurso: ela fizera tudo errado, e seu governo representaria uma espécie de traição ao projeto lulista. Isso não sem que ele, Haddad, a tivesse advertido sobre os erros em que incorria — ele, Haddad, desde sempre sendo a incorporação, o defensor, de Lula. Método. O plebiscito ganha corpo.

 

Mas: e os adversários?

 

Eram reféns da estratégia de Lula — e esperavam o gatilho: o homem ser enfim declarado inelegível. Foi. Conforme o plano, Haddad imediatamente se plantou como cavalo, aquele designado para transportar o espírito do guia, corpo indicado à missão de encarnar o cavaleiro desde outra dimensão (no caso, a cadeia). E então Ciro Gomes, jogando a própria sobrevivência, correu para chamar a presidenta ao futuro: “O Brasil não aguenta outra Dilma” — disse. Sim, Haddad é o novo luloposte. E, se é Lula, é também Dilma — este, o ônus de aceitar o papel: ser aquilo que ela já foi. Poderia custar caro, se explorado.

 

Daí por que pergunto: terá, afinal, chegado a hora de os demais pararem de tratar Haddad como um candidato normal e lhe reclamarem o preço de ser integralmente aquilo de que quer se beneficiar? Se é Lula, o fenômeno eleitoral, é também um preso, condenado por corrupção — e assim deveria ser politicamente tratado, cobrado pela pilhagem do Estado. Se é Lula, é também Dilma; um incompetente, um despreparado — e assim deveria ser politicamente tratado, cobrado pela maior recessão da história do país.

 

Mas: e Alckmin?

 

Sua inabilidade em capitalizar para si o descalabro em que consistiu o governo de Dilma é a melhor expressão de um político que não se conhece politicamente. O que é Alckmin? Como presidente do PSDB, paga pela incapacidade histórica de seu partido se inscrever como oposição ao lulopetismo. Como candidato, pela própria incapacidade de se inscrever como o antibolsonarista. Resta-lhe o limbo — a condição de produto difícil. O que teria a vender nesta altura? Qual seria sua única possível qualidade eleitoral competitiva em 2018 senão a experiência? Senão aquilo — experiência — que, em política eleitoral, significa projeção de segurança para o eleitor? Sim, é experiente. Sim, Bolsonaro — adversário direto — não é. Isso está dito, mas desconectado. Seria preciso dar materialidade, memória, a esse antagonismo.

 

É onde Dilma entraria. Esvaziado de qualquer qualificação ideológica, o mais cirúrgico uso da ex-presidente por Alckmin estaria em associar Bolsonaro a ela — inexperiente e despreparada. Colar mesmo a imagem dos dois. Provocar a racionalidade a que enfim pisasse no tabuleiro. Mexer com a ideia de reincidente mergulho no escuro. Lembrar o colapso inevitável de quando se fazem escolhas sob efeito de mitologia — assim ainda batendo em Haddad. Uma pergunta se imporia: iremos nessa de novo?

O eleitor está de saco cheio do poder estabelecido, com raiva da atividade política e dos políticos, mas também está desempregado. Quando será lembrado de que não votará num plebiscito sobre se Lula é ou não injustiçado nem sobre se o establishment político deve ser morto à bala ou faca? O GLOBO




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