O problema não é o posto. É o imposto
Kleber Cabral, O Estado de S.Paulo
01 Junho 2018 | 05h00
A greve dos caminhoneiros foi disparada no contexto de uma campanha das grandes distribuidoras de combustível que denuncia a alta carga tributária incidente sobre os combustíveis no Brasil: “O problema não é o posto. É o imposto.”
A participação de entidades empresariais e patronais foi mimetizada com a participação de caminhoneiros autônomos, dando ares de hipossuficiência às reivindicações. Quando se iniciaram as negociações com o governo, a situação ficou mais clara. Alguém já viu caminhoneiro fazer demanda tributária?
A maior tributação sobre os combustíveis é o ICMS, mas, curiosamente, não se viu pressão sobre os governadores dos Estados. Além dos tributos incidentes sobre o combustível, há interesse direto das empresas transportadoras no projeto de reoneração da folha, do qual querem ficar de fora, e manter benefícios fiscais que fazem falta na arrecadação da Previdência Social e propiciam redução no valor do frete (das empresas), provocando concorrência desleal com o caminhoneiro autônomo.
Há que se reconhecer que a reação empresarial se deu em razão de um esgotamento do modelo tributário adotado no Brasil, excessivamente focado no consumo. A carga tributária sobre combustíveis sempre foi alta, mas houve aumento recente das alíquotas do PIS/Cofins (Decreto 9.101/17), com efeito na arrecadação a partir de agosto de 2017. Vale lembrar que na ponta da cadeia estão os consumidores, contribuintes que de fato arcam com o ônus tributário repassado no preço. É uma realidade que não se dá apenas no setor de combustíveis, mas em toda a cadeia produtiva.
A tributação sobre o consumo no Brasil é uma das mais altas do mundo, e atinge com mais intensidade as pessoas de menor renda, cujos parcos recursos são gastos no consumo de bens e serviços. Estudos do Ipea indicam que a carga tributária sobre pessoas com renda de até 2 salários mínimos é de quase 50%, em razão da alta tributação sobre o consumo instituída pela União, Estados e Municípios.
Do outro lado da balança, a tributação sobre a renda no Brasil é baixa quando comparada com países da OCDE. Os profissionais que podem se organizar como PJ e o grupo dos muito ricos têm sobre si uma tributação sobre a renda muito mais suave do que as pessoas físicas. Uma das razões gritantes para isso é a isenção total na distribuição de lucros e dividendos auferidos na PJ. Essa jabuticaba tributária alivia, há mais de duas décadas, o peso da carga tributária sobre os setores mais abastados da sociedade. A hipertrofia do Simples e do Presumido, e os malabarismos utilizados por empresas submetidas ao Lucro Real fazem com que parte dos lucros não seja tributado nem na pessoa jurídica, nem na pessoa física.
Como alguém tem que pagar a conta, tem sobrado cada vez mais ao assalariado (não correção da tabela do IRPF) e aos consumidores em geral (aumento de tributos indiretos) arcar com a parcela não cobrada dos mais ricos.
Uma das propostas defendidas pela Unafisco para enfrentar esse sistema tributário extremamente regressivo é o retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos e sobre as remessas de lucros ao exterior. A medida não depende de alteração constitucional e já teria efeitos positivos na recuperação das contas públicas no curto prazo.
Esperamos que a redução da carga tributária sobre o combustível se concretize e chegue efetivamente na ponta, no custo do transporte, no preço dos alimentos, promovendo, por meio da menor tributação sobre o consumo, o efeito virtuoso na economia.
Se for preciso cobrar mais impostos de alguém, que seja daqueles que possuem maior capacidade contributiva e que foram poupados nos últimos 20 anos. Não há espaço para mais sacrifícios da classe média assalariada e dos mais pobres, que suportam carga tributária da Dinamarca, com retorno social incomparavelmente inferior.
*AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL, PRESIDENTE DA UNAFISCO NACIONAL