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O golpe do título - istoé

Concedido a personalidades que se destacaram em determinadas áreas do conhecimento, o diploma de doutor honoris causa não tem relação com a vida acadêmica de quem o recebe. Não tem valor profissional nem vale como certificado de produtividade científica. Ainda assim, é um dos mais importantes títulos que uma pessoa pode receber, já que se o ganha é porque atingiu um patamar de amplo reconhecimento profissional e de feitos significativos.

Fernando Henrique Cardoso recebeu a honraria pela Universidade de Harvard, e o cirurgião Ivo Pitanguy pela Universidade de Tel Aviv, em Israel. Em todos os casos, um conselho formado por professores de cada área se reúne para decidir a quem é merecido dar o prêmio. E em nenhum deles a titulação tem valor comercial. Ou seja, não se compra. Algumas entidades, porém, aproveitando que não é preciso o aval do Ministério da Educação (MEC) para conceder o diploma, têm vendido a honraria a diretores e pesquisadores brasileiros, que pagam até R$ 3.600 para se tornarem “doutores”. “É contraditório, pois é um título dado para honrar o professor. E a honra não se compra”, afirma Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação.

TUDO PAGO Reitor da UERR, Regys de Freitas recebeu título em Cuba, com despesas custeadas pela universidadehttp://cdn.istoe.com.br/wp-content/uploads/sites/14/2017/02/51-2-102x57.jpg 102w, http://cdn.istoe.com.br/wp-content/uploads/sites/14/2017/02/51-2-576x324.jpg 576w, http://cdn.istoe.com.br/wp-content/uploads/sites/14/2017/02/51-2-768x432.jpg 768w, http://cdn.istoe.com.br/wp-content/uploads/sites/14/2017/02/51-2.jpg 1024w" sizes="(max-width: 418px) 100vw, 418px" style="box-sizing: border-box; margin: 0px; padding: 0px; font-style: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; font-stretch: inherit; font-size: inherit; line-height: inherit; font-family: inherit; vertical-align: baseline; min-width: 100%; max-width: 100%; height: auto;">
TUDO PAGO Reitor da UERR, Regys de Freitas recebeu título em Cuba, com despesas custeadas pela universidade

A Organização das Américas para a Excelência Educativa (ODAEE) se apresenta como “a maior rede de relações interinstitucionais da iberoamérica, com presença em 22 países” e é das que mais constam entre as que distribuem títulos honoris causa a brasileiros. A reportagem entrou em contato por e-mail com a entidade para simular a solicitação de um diploma e recebeu como resposta uma ficha com informações mostrando o passo-a-passo para se tornar membro. Está lá o valor de US$ 700 (R$ 2.100) a serem pagos para, como benefício, receber o título de doutor. Se for uma instituição a postulante, a taxa sobe para US$ 1.200 (R$ 3.600). Fundada em Porto Alegre, hoje tem sede no Panamá, mas o telefone para contato é de Orlando, nos Estados Unidos. Entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro, realizou uma premiação em Cuba. O Grupo Educacional Drummond e a Universidade Federal de Roraima (UERR) foram premiadas, entre outras entidades. Dessa última, foi condecorado também o reitor, professor Regys Odlare Lima de Freitas, que viajou bancado pela UERR. “Aparentemente, parece que se paga para poder receber prêmios”, explica Freitas em entrevista à ISTOÉ. “Nós pagamos e nos tornamos membros, mas a solenidade já havia sido deliberada.”

HONRA À VENDA Anúncio (abaixo) mostra como entidades vendem títulos honoris causa pela internet
HONRA À VENDA Anúncio (acima) mostra como entidades vendem títulos honoris causa pela internet

O ODAEE tem 61 membros brasileiros, em que constam até colégios, como a Babylândia e Atuação Escola Bilingue. Questionada sobre a cobrança, a secretária-executiva da instituição, Eva Reiser, afirmou que são taxas administrativas e que mesmo pessoas que não são membros recebem condecorações. Ainda que a ODAEE seja a mais profícua na entrega de diplomas a brasileiros, é possível adquirir o título honoris causa também pelo Instituto Nacional de Parapsicologia por R$ 1.300. O pagamento pode ser on-line, via PagSeguro, e a entidade pede apenas cópias de documentos pessoais e comprovante de residência.

Ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, o médico Paulo Gadelha recebeu o honoris causa em 2014, pela Universidade de York. Gadelha, que fundou a Casa de Oswaldo Cruz, referência na área de história da ciência e da saúde, diz que foi procurado pela universidade e que nada foi pago. “De forma alguma aceitaria algo que significasse uma troca de natureza comercial envolvendo uma questão tão séria.”53

Procurado, o MEC afirmou, em nota, que o título honoris causa é honorífico, não regulamentado e tradicionalmente ofertado por universidades a pessoas de destaque de acordo com os critérios aprovados pela própria instituição. “Embora não seja usual a oferta deste título por instituição que não possua programa regular de doutorado, não parece haver vedação legal à prática, ressalvada a hipótese de sua utilização de forma a induzir outras pessoas a erro sobre a real natureza do título, desvio que poderia ensejar reparação nas esferas penal e civil.” Ou seja, a farra da criação de doutores de papel deve continuar.

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