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O risco de se libertar presos por atacado

O colapso do sistema penitenciário brasileiro tem diversos vetores. Entre outros, a superlotação das prisões, o desprezo por direitos elementares dos detentos, as péssimas condições de encarceramento, a insistência com uma política correcional ineficaz e equívocos gritantes na execução penal. São causas que, em geral, se fundem na rotina de um complexo prisional que abriga a terceira maior população carcerária do mundo, num universo potencialmente explosivo (não raro, com rebeliões marcadas por extrema violência).

Num país em que os indicadores de violência são cronicamente assustadores, em geral crescentes, estar entre as nações que mais encarceram pessoas não é necessariamente uma anomalia. O problema do Brasil talvez esteja menos em prender muito do que em prender mal. Neste particular, têm sido constantes as denúncias de parentes de presos, de organismos de defesa dos direitos dos detentos e até de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça da falta de critérios na formação da população carcerária.

As prisões brasileiras encarceram pessoas que sequer foram condenadas, ou acolhem réus cujos crimes poderiam se expiados com penas alternativas. Ao mesmo tempo, delas permanecem ao largo criminosos que, pela gravidade dos atos, lá deveriam estar recolhidos. Coroam-se anormalidades como essas com o desrespeito ao princípio da correição: o sistema que impera nas masmorras brasileiras é preferencialmente punitivo, afastado do pressuposto — consagrado pelo direito republicano — da reinclusão.

À luz dessas deformações sistêmicas, é compreensível a preocupação da Defensoria Pública fluminense com a situação das prisões do Rio de Janeiro. Em nada elas destoam do perfil das penitenciárias do resto do país. Mas o que não se pode aceitar é que, em nome de combater uma anormalidade, recorra-se a outra. Ao sugerir o exame da soltura em bloco de cinco mil presos, com base na persistência de um grave, e inegável, quadro de desrespeito aos direitos humanos nos presídios, pode até reparar pontualmente algumas injustiças, mas, no atacado, significará transferir demandas de dentro das cadeias para o seu exterior — em suma, para a sociedade.

Não se pode fechar os olhos para a realidade das cadeias superlotadas. Racionalizar o perfil de encarceramento, de modo a tirar das prisões quem nelas não devia estar, e para elas enviar aqueles cujo encarceramento é uma consequência legal da expiação, é um objetivo a ser buscado. Mas se torna imprescindível o estudo criterioso cada caso.

No Rio, sobretudo, a concessão de liberdade a presos, sob qualquer pretexto, alimenta uma cadeia de benefícios que devolve às ruas, sem que tenham cumprido as penas, bandidos de alta periculosidade. Uma execução penal distorcida não é instrumento de justiça. A proposta da Defensoria precisa passar pelo rigoroso filtro da lei, claro, mas, também, da sensatez. O GLOBO



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