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Avanços sociais são ameaçados e desigualdade pode voltar a crescer

Yolanda Fordelone & Natália Cacioli  / O ESTADO DE SÃQO PAULO

Alta de preços de itens básicos compromete, principalmente, o orçamento das famílias mais pobres, que também não têm acesso a instrumentos financeiros sofisticados.

O forte avanço dos preços em 2015 está prejudicando, sobretudo, a vida da camada mais pobre da população. O mercado ficou mais caro, o preço da conta de luz disparou e até o gasto com transporte público aumentou. Na contramão dos preços, o salário ficou menor e agora custa a durar até o fim do mês. Na ponta da cadeia, esse movimento perverso coloca em risco os avanços sociais dos últimos anos e o temor é que a desigualdade volte a crescer no País.

LEIA A ANÁLISE: ‘Por que a inflação prejudica os mais pobres?’ "Tradicionalmente, nos períodos em que a inflação aumenta, a desigualdade também sobe", diz o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, citando o aumento da desigualdade na década de 1980, quando a inflação atingia dois dígitos por mês. Já na última década - com a ampliação de programas sociais, a formalização do mercado de trabalho e o aumento da renda -, as diferenças entre ricos e pobres se estreitaram. O problema é que o ritmo de melhora perdeu força nos últimos dois anos.

O Índice de Gini passou de 0,494 em 2013 para 0,489 em 2014 (números mais próximos a zero indicam uma sociedade mais igualitária), segundo a última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 2009 e 2012, por exemplo, o avanço foi bem mais expressivo: de 0,516 para 0,496.

Desigualdade cai, mas em ritmo menor  Perda do poder de compra e aumento do desemprego ameaçam ganhos sociais da última década.

"Se você tiver um cenário de inflação muito alta ao longo de muitos anos consecutivos, isso vai trazer problemas. Perda sempre vai ter, mas essas perdas podem ser momentâneas", avalia Maria Andréia Parente Lameiras, pesquisadora do Ipea. Presidente do Data Popular, instituto conhecido por pesquisar as classes C, D e E no Brasil, Renato Meirelles também vê um aumento da desigualdade. Mas o movimento, segundo ele, ainda é conjuntural e não estrutural, e limita-se a um ajuste no curto prazo.

Já o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Marcelo Neri, faz um alerta para o futuro: "A queda de 2014 e um empate em 2015 seriam um bom resultado no atual cenário da economia, mas daqui para frente é bastante preocupante. Não vejo muito um clima para a desigualdade cair."

Salário-sobrevivência. Com pouca sobra de dinheiro e o orçamento concentrado em itens básicos para a sobrevivência, a baixa renda tem menor margem de manobra para manter o padrão de vida. "Os mais pobres consomem uma proporção grande da renda em alimentos, produtos que em alguns casos, como o do pãozinho, não dá para estocar", diz Neri. O pão francês, por exemplo, ficou 12,7% mais caro em 2015, enquanto a conta de luz avançou 49,03%.

A auxiliar de limpeza Ana Célia Santos, de 34 anos, percebeu no mercado essa perda de poder de compra. “Aumentou tudo. Na última vez que fui deixei R$ 60 e não trouxe nada, somente bolachas e lanche para o meu filho. Se fosse comprar arroz e feijão, já ia mais de R$ 100”, conta a trabalhadora, que ganha cerca de R$ 900. Ana Célia mora com o filho de seis anos em uma casa alugada de um cômodo. Ela economiza fazendo as refeições principais na casa da mãe, que mora em um local próximo. “O que pesa mais é o gasto com o meu filho. Parei de comprar o iogurte e troquei de marca da bolacha”, relata.

Segundo pesquisa da consultoria Nielsen, a classe C está diminuindo o consumo de supérfluos e priorizando cada vez mais itens da cesta básica. As vendas de produtos de limpeza, higiene e beleza, bebidas, perecíveis e outros itens de mercearia caiu 2,9% de junho a agosto de 2015, em relação ao mesmo período do ano passado. No período, quase 60% das categorias supérfluas perderam mercado dentre o público de baixa renda.

Nas classes mais altas, a inflação afeta a decisão de consumo de forma bem diferente. O publicitário Marco Sant’Anna, de 47 anos, trocou os jantares em restaurantes por reuniões na casa de amigos em alguns finais de semana. “Cada um leva uma coisa e assim todos se divertem sem gastar muito.” Ele também desistiu de trocar de carro e, quando for trocar, será por um seminovo.

Os cortes no orçamento Como classes sociais diferentes estão lidando com a alta da inflação

Essas mudanças de hábito acabam criando uma espiral negativa: o consumidor compra menos por causa da crise e esse movimento agrava ainda mais a recessão. E se as pessoas deixam de ir a restaurantes, salões de beleza ou compram menos na loja de bairro, as empresas são obrigadas a cortar custos e, muitas vezes, demitir. Para especialistas, o desemprego - que já atinge nove milhões de brasileiros e se aproxima do patamar de 10% - é, mais do que a inflação, um fator decisivo para o aumento da desigualdade.

“A inclusão social que aconteceu no Brasil nos últimos anos veio da expansão dos setores de serviços e comércio. Quando há uma reversão disso, há uma queda real do salário”, explica Menezes Filho, do Insper.

A perda de renda também acontece quando o trabalhador não tem alternativa, a não ser ir para a informalidade. "A baixa renda tem mais fragilidade no emprego. Muitas vezes, estão na informalidade ou na semi-formalidade, em trabalhos comissionados. O salário não é reajustado pela inflação”, diz o CEO do aplicativo de finanças pessoais GuiaBolso, Thiago Alvarez. Já o trabalhador assalariado, além de em geral ter uma renda maior, recebe o dissídio que costuma compensar a inflação.

Investimentos. Não à toa, a alta de preços de uma economia é conhecida no mundo acadêmico como um "imposto inflacionário". Quem guarda dinheiro, mas não investe, perde poder de compra: conforme o tempo passa, o mesmo salário consegue comprar cada vez menos itens. Nessas horas, investir é um ótimo negócio, principalmente quando se tem uma taxa básica de juros de mais de 14% ao ano - como é o caso do Brasil. Na indústria de fundos e no leque de títulos do Tesouro Direto, também há produtos atrelados a índices de preços, que cobrem com sobra a variação da inflação.

Mas esses produtos um pouco mais sofisticados são inacessíveis à boa parte da população. As dificuldades começam na bancarização. Do total da população, 40% não tinha conta bancária em 2014, segundo dados do Banco Central e da Strategy&. "A renda disponível também é menor na baixa renda. Se no início do ano ela conseguia poupar 5% do salário, agora, com uma inflação de 10%, fica devendo 5% para cobrir as contas do mês", compara Alvarez, do GuiaBolso. E mesmo para quem tem conta em banco não é tão simples. A poupança, que é o investimento mais popular do País, vai perder para a inflação esse ano pela primeira vez desde 2002.

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