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Violência e falta de dinheiro: as razões pelas quais Lula desidrata no Nordeste

Por Bruno Soller / o estadão de sp

 

Os últimos dez anos do Brasil têm sido de um grande retrocesso. O país vem acumulando problemas atrás de problemas, que tiveram uma aceleração gritante durante a quebra econômica no governo Dilma Rousseff, responsável por ocasionar um processo de impeachment, culminando no afastamento definitivo do cargo da presidente da República. Com popularidade abaixo dos 10%, Dilma e sua equipe econômica lideraram um processo de retração na economia, que fez com que o Brasil recuasse uma média anual de 1,2% ao ano, durante seu segundo mandato. Com Michel Temer, um leve suspiro de reencontro de contas, com uma pauta mais reformista, mas que teve seu circuito interrompido, após o estouro do caso JBS, fazendo com que o governo tivesse grande perda de apoio popular e ficasse encurralado, respondendo por novas tentativas de impeachment.

 

Durante esse período, a eclosão da violência urbana, fez com que Temer ousasse e iniciasse uma intervenção militar-administrativa no Estado do Rio de Janeiro. O ex-presidente criou o ministério da Segurança Pública, escalando o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann para comanda-lo e o general Braga Netto como interventor no Palácio da Guanabara. Com a pauta da segurança pública quente, Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército Brasileiro, ganhou ainda mais viabilidade no cenário eleitoral, de 2018, com a expectativa de que seria uma resposta ao caos instaurado no País. Vencidas as eleições e com Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, nomeado Ministro da Justiça, as apostas para a solução do problema aumentaram ainda mais. No entanto, a crise da covid-19, fez com que a pauta mundial mudasse e quase nada mais se discutia sobre a questão da segurança, ainda mais com os toques de recolher que a pandemia obrigava para a não dissipação da doença.

 

Os efeitos econômicos da pandemia e uma postura que desagradou milhões de brasileiros com falas bastante controversas e posicionamentos pouco usuais, fizeram com que Bolsonaro não conseguisse a reeleição e trouxesse para a cena eleitoral um velho conhecido dos brasileiros, que até pouco tempo cumpria pena por corrupção, mas que trazia na memória popular um certo período de bonança, com o boom das commodities e a ampla oferta de crédito: o ex-presidente Lula. Sua campanha prometia um retorno ao que os brasileiros de classe mais baixa viveram antes dessa década perdida, e tinha na simbologia da “picanha e cerveja” um eixo comunicacional que mostrava um resgate de prosperidade. Nas regiões onde há um grande contingente populacional de classe D, Lula obteve uma diferença abissal em relação a Bolsonaro. No Nordeste brasileiro, região que mais concentra essa camada social, Lula teve mais que o dobro dos votos de Bolsonaro e venceu por 69% a 31% dos válidos.

 

Crescendo em 10 anos, o seu PIB, em apenas 8%, o Brasil é o segundo pior país em desempenho econômico entre 2015 e 2025, quando comparadas as 20 maiores economias do mundo, ganhando apenas do Japão, que cresceu 6%, nesse intervalo. Quando se olha para a China e Índia, ambas pertencentes ao Brics, bloco econômico dos emergentes, a discrepância é ainda mais notada, já que cresceram 74% e 77%, respectivamente. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos, que sofreram com crises e são postos em xeque nos últimos tempos sobre o seu futuro econômico, aumentaram seu PIB em 28% nessa mesma época. Esse resultado que perpassou por gestões das mais variadas colorações ideológicas, trouxe o País até a situação vigente e que não tem conseguido ter respostas do governo eleito, justamente com o foco em reverter esse cenário.

 

As pesquisas de opinião mais recentes têm apontado para uma desidratação completa do governo Lula, justamente no Nordeste brasileiro, região em que desde 2006, tem sido sua maior força eleitoral. Pesquisa Genial/Quaest mostrou um aumento de 9%, no tempo de dois meses (janeiro a março de 2025), da desaprovação do governo nessa parte do País. Em um trabalho qualitativo conduzido pela RealTime Big Data para o blog De Dados em Dados, com exclusividade, é nítida a decepção dos eleitores com o que têm vivido na prática. A empresa conduziu 14 grupos de foco em toda a região Nordeste, em municípios da costa, do agreste e do sertão e concluiu que os dois fatores que mais afligem os nordestinos são justamente os pontos que o retrocesso da década impulsionou: a violência e a falta de renda.

 

Nas capitais e regiões metropolitanas, a tomada de bairros por facções criminosas tem gerado um sentimento de revolta nos moradores, que são por vezes impedidos de visitar parentes por morarem em regiões tomadas por algum grupo criminoso que está em guerra com outro que domina a região da visita. Um morador do bairro Mandacaru, em João Pessoa, na Paraíba, por exemplo, relata que não recebe sua mãe em casa há mais de ano, porque ela vive em um bairro dominado por uma facção diferente da que domina seu bairro. Na cidade, a Okkaida, inspirada no grupo terrorista islâmico Al Qaeda, vive em confronto com a Estados Unidos, criando uma situação de mortes e medo entre os moradores. A raiva e o temor são tamanhos que muitos entrevistados que votaram em Lula, relembram da frase do presidente que relativiza o crime de roubo de celular, mostrando que a pauta não é prioridade para o governante. O fato de Lula ter sido preso e condenado por corrupção, não inspira em sua figura, autoridade para falar sobre o assunto. Essa realidade se espraia por cidades como Fortaleza, Recife e Salvador, e por mais que a responsabilidade constitucional da segurança seja dos governos estaduais, o maior debate se dá sobre a legislação penal brasileira e ganha ares federais e responsabilização da presidência da República, do Congresso e do STF.

 

Ao partir pro interior nordestino, a pauta segurança muda de relevância e cai no que é chamado de “novo cangaço”. Assaltos em estradas e crimes de menor impacto do que os protagonizados pelos narco cartéis são os pontos mais discutidos. Ainda há alguma calmaria e menos medo. Mas, é aí que se enxerga o drama da falta de recursos na pele. O empobrecimento e endividamento das pessoas, que não têm mais dinheiro para sequer garantir a segurança alimentar de suas famílias. Em Alagoinhas, na Bahia, entrevistados comentam sobre ter que repartir um ovo em três para conseguir dar alguma proteína para seus filhos. O aumento exponencial do preço dos alimentos é um drama para a maioria das famílias, que vivem hoje da informalidade e de auxílios federais.

 

A tentativa do governo em garantir o empréstimo do FGTS esbarra em um choque de realidade que é a falta de pessoas formalizadas no mercado de trabalho. Ao invés de querer ganhar um salário mínimo e ter seus descontos em folha para trabalhar de 8 a 10 horas por dia, a grande maioria tem buscado em bicos e utilizado das tecnologias digitais para conseguir o seu sustento. Dessa percepção de realidade é que muitos sentem falta e colocam Lula como um político ultrapassado, que está discutindo soluções para um mundo que não existe mais, como aquele de quando foi presidente, no início do século.

 

Com a insegurança dominando a discussão e a falta de recursos impactando o dia a dia, não é possível dizer que as pessoas possuem qualquer qualidade de vida no cenário atual brasileiro. Fazendo um comparativo com as demais eleições que a América do Sul tem vivido, o Brasil parece reunir o maior problema de cada uma delas em um combo extremamente difícil de se resolver para os próximos dez anos. Com a insegurança de um Equador e a pobreza e falta de renda que ditaram as eleições na Argentina, o Brasil de 2026 vai ter que buscar um caminho que pelo menos freie essa desarrumação existente. Lula, com pouco mais de 1 ano para reverter esse cenário, está cada vez mais distante de se apresentar como solução e pode acabar seu terceiro mandato com uma nova mancha em sua vitoriosa carreira: a de não entregar o que prometeu.

 
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Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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