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O Programa Nacional de Imunizações está doente

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

A luta por uma humanidade sadia sempre foi majoritariamente uma luta contra micróbios. Por quase toda a história humana, nós estávamos do lado perdedor. Há 150 anos nem sequer conhecíamos o inimigo. As doenças infecciosas matavam cerca de metade das crianças. A grande virada veio com as vacinas. Estima-se que só nos últimos 50 anos elas tenham salvado 100 milhões de crianças. Quando você terminar a leitura deste editorial, as vacinas terão salvado 30 crianças.

 

Desde os tempos de Oswaldo Cruz, no início do século 20, o Brasil esteve na vanguarda da contraofensiva contra os germes. Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) para coordenar ações de imunização até então intermitentes e episódicas. Antecipando princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) – como a assistência universal, integral e gratuita prestada por uma rede federativa hierarquizada e integrada –, o PNI foi responsável pela erradicação de rubéola, tétano, sarampo e pólio, e se tornou uma referência global.

 

Desde 2016, no entanto, a cobertura vacinal vem caindo. Em 2023, a cobertura de todas as cinco vacinas prioritárias para crianças de até um ano estava em média mais de 10 pontos porcentuais abaixo da meta de 95% e bem abaixo dos índices de 2015 (98%).

 

A hesitação vacinal – motivada tanto pela passividade difusa de uma geração já imunizada e esquecida da importância das vacinas quanto pela atividade virulenta de militantes antivacina – é um fenômeno mundial que foi acentuado pela politização da pandemia. Mas a complacência e o negacionismo são só uma parte do problema, e no Brasil provavelmente não são a principal. Ainda que fragilizada, a cultura de vacinação dos brasileiros é robusta e os índices de adesão e confiança nas vacinas são maiores do que nos EUA ou na Europa.

 

Paradoxalmente, ao mesmo tempo que a imunização contra a covid-19 – com a criação, produção e distribuição das vacinas em tempo recorde – foi um triunfo para a ciência imunológica, ela também provocou rupturas nas cadeias de vacinação. A queda na cobertura vacinal foi drástica. Ainda assim, o declínio começou antes da pandemia e, como averiguou uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), tem razões crônicas. A gestão do PNI está avariada, em nível macro ou micro, em todos os elos da cadeia e nas três esferas da Federação, mas particularmente na espinha dorsal do sistema, o Ministério da Saúde.

 

O tribunal constatou deficiências na infraestrutura e manutenção dos equipamentos, a Rede Frio. É expressivo o uso de geladeiras domésticas, em vez de câmaras frias. Mais de 70% das centrais de vacinação não têm contratos de manutenção preventiva. Os sistemas de informação estão desagregados e são mal alimentados, o que prejudica a gestão dos estoques e o controle das perdas, comprometendo a rastreabilidade das vacinas, a eficácia da distribuição e a alocação racional de recursos. Em 2023, mais de 30 milhões de doses das vacinas infantis foram perdidas por vencimento de prazo de validade, gerando um prejuízo de mais de R$ 400 milhões, 14% do orçamento para compra de vacinas. A ausência de uma logística racional e baseada em dados fragiliza toda a cadeia de imunização, do abastecimento à aplicação.

 

O TCU aponta ainda inoperância nas estratégias de recuperação de coberturas vacinais e busca ativa, e também acusa defasagens na coordenação do financiamento à pesquisa, desenvolvimento e inovação em imunizantes.

 

Como concluiu o relator da auditoria, ministro Bruno Dantas, “a queda sustentada das coberturas vacinais, as perdas elevadas por vencimentos de vacinas, os episódios de desabastecimento, a baixa adesão aos sistemas de informação e as deficiências da Rede Frio evidenciam a necessidade de uma resposta urgente, coordenada e estruturante por parte do Ministério da Saúde e dos demais entes federativos”.

 

Por milênios a humanidade esteve completamente indefesa contra inimigos invisíveis. Hoje o Brasil tem a expertise e o arsenal necessários para vencer a guerra contra os micróbios homicidas. Cada criança perdida por negligência é um pecado que clama aos céus.

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