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Sementes envenenadas

Por Merval Pereira / O GLOBO

 

Comparar o atentado a faca sofrido pelo candidato Bolsonaro na campanha presidencial de 2018 com o da semana passada em Brasília, quando o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais uma vez atacado por bombas caseiras, é misturar alhos com bugalhos. Os dois atentados terroristas foram perpetrados por indivíduos conhecidos como “lobos solitários”, mas os contextos são completamente diferentes. No de Bolsonaro, não havia nenhum clima de radicalização na campanha que estimulasse o assassinato do candidato, ao contrário. Era Bolsonaro quem insuflava a violência durante seus discursos.

 

O atentado recente, em contraste, está claramente ligado aos acontecimentos de janeiro de 2023, quando hordas de manifestantes, com a conivência das forças policiais, avançaram sobre a Praça dos Três Poderes a fim de depredar os prédios simbólicos da República — Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo —, numa demonstração de força que prenunciaria o golpe de Estado.

 

A frase “Perdeu, mané”, pintada com batom na estátua de Alfredo Ceschiatti que representa a Justiça em frente ao prédio do Supremo, explicitava o espírito do momento. Foi essa frase, aliás, que o terrorista de Brasília deixou numa mensagem, lamentando a prisão de sua autora. A ligação dos dois casos é evidente. O sujeito que jogou as bombas e se suicidou com uma delas era um rescaldo dos acampamentos de 2023. O fato de serem bombas caseiras, montadas com fogos de artifício, não descaracteriza a gravidade da situação. Coquetéis molotov também são bombas caseiras.

 

O atentado em Brasília foi um acontecimento muito sério. Imaginar que alguém tenha chegado tão perto do prédio do STF, a ponto de querer tentar ferir algum ministro, como revelou sua ex-mulher, e fazer um estrago maior é muito grave. O policiamento desses locais é difícil, os espaços são muito grandes e abertos. Poderia ter sido pior. Precisa ser esclarecido se havia algum grupo por trás ou se foi mesmo apenas um “lobo solitário”, como tudo indica. Mas, mesmo se for, não será menos grave.

 

Existe um clima violento na política brasileira que precisa ser contido. A tentativa de golpe em 2023 e este atentado agora não podem ser vistos como normais. É preciso uma reação contundente, para evitar repetição e que esse clima tome conta do país. A impunidade alimenta esse tipo de ação. Nada indica que o ex-presidente Bolsonaro tenha alguma culpa no atentado desta vez, mesmo que o terrorista tenha sido filiado ao PL, mas é evidente que a excitação que ele favorece com seu modo beligerante de fazer política tem a ver com o que aconteceu.

 

Hoje, a postura da esquerda é igual à da direita à época da facada. Não aceitam que tenha sido uma ação isolada. Querem, como insistiu Bolsonaro quando tinha poder, encontrar uma conspiração por trás do recente ataque terrorista em Brasília, assim como queriam ver conspiração em Juiz de Fora. Por trás dessas atitudes de facções partidárias, está o ambiente de radicalização política que leva desequilibrados como os dois “lobos solitários” a agir como agiram. Ou outros milhares de desequilibrados a se reunir em acampamentos para preparar a invasão, como aconteceu em 2023.

 

Assim como a leniência das autoridades permitiu que os baderneiros invadissem a Praça dos Três Poderes, a repetição dos atos terroristas desta vez mostra que, se justiça não for feita com rigor, outros “lobos solitários” surgirão. Já não havia razão para aprovar uma anistia no Congresso, que levaria Bolsonaro de roldão, antes mesmo que ele tenha sido condenado.

 

Mesmo que o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, tenham se precipitado e enunciado seus votos antes de o inquérito ter sido instalado, tudo leva a crer que não apenas a anistia não virá, como a punição será mais rigorosa diante da constatação de que as sementes golpistas têm gerado novos frutos envenenados.

 

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