República brasileira nasceu com marechal de longa trajetória monarquista
Naief Haddad / FOLHA DE SP
Em 1888, o jovem soldado Clodoaldo da Fonseca, da Escola Militar de Porto Alegre, recebeu duas cartas de um tio, oficial de alta patente que vivia no Rio de Janeiro.
Numa dessas correspondências, o tio escreveu ao rapaz: "República no Brasil é coisa impossível [...]. O único sustentáculo do nosso Brasil é a Monarquia. Se mal com ela, pior sem ela".
O homem que aconselhava enfaticamente o sobrinho a não se meter em questões republicanas era Manuel Deodoro da Fonseca, amigo de dom Pedro 2º, a quem havia servido em embates importantes como a Guerra do Paraguai e a Revolução Praieira.
Considerando esse longo passado monarquista do alagoano Deodoro, o episódio histórico de 15 de novembro de 1889 é uma surpresa.
Nesse dia, o oficial de 62 anos vestiu a sua farda imponente e foi aos quartéis do Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro, para declarar a queda do Império. Tornou-se, assim, o primeiro presidente da República.
Essa mudança de ponto de vista no intervalo de apenas um ano é descrita em detalhes em "Deodoro da Fonseca - O Começo da República".
Segundo volume da Coleção Folha - A República Brasileira, o livro sobre o marechal será lançado neste domingo (22).
Junto desse volume sai a primeira obra da série, "A História da República", que faz um panorama dos últimos 130 anos, da queda da Monarquia aos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro (PSL).
Coordenada pelo jornalista Oscar Pilagallo, a coleção reúne ao todo 28 livros.
"Havia republicanos convictos no final do século 19, como Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva. Deodoro não estava entre eles", afirma o historiador Pietro Sant’Anna, autor da segunda obra da série.
Deodoro havia aprendido com seu pai, também militar, a ser rigorosamente fiel à Coroa. Mas as decepções com o imperador e seu ministério se acumularam ao longo de 1889.
Em junho, dom Pedro 2º nomeou um civil, o visconde de Ouro Preto, para presidir o conselho de ministros. E Ouro Preto escolheu Gaspar da Silveira Martins, um adversário de Deodoro, para comandar a província do Rio Grande do Sul. Essa decisão foi muito mal recebida por Deodoro.
Apesar do desapontamento, ele só fechou questão com os republicanos em uma reunião no dia 11 de novembro, quatro dias antes da Proclamação da República.
Durante a presidência de Deodoro, foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Ela trazia avanços importantes, como a instituição de três poderes independentes —Executivo, Legislativo e Judiciário.
Por outro lado, o oficial se comportava como um monarquista, incapaz de levar adiante as negociações partidárias. Agia com truculência diante das críticas da imprensa.
Seu autoritarismo atingiu o ápice no final de 1891, quando declarou estado do sítio e, em seguida, deu um golpe.
Houve, no entanto, uma forte reação, conduzida por lideranças regionais e setores do Exército ligados ao vice, Floriano Peixoto.
Diante da iminência de uma guerra civil, Deodoro renunciou em 23 de novembro de 1891. Floriano, o Marechal de Ferro, assumiu o poder.
Além de retratar Deodoro, o livro de Pietro Sant’Anna aborda episódios e movimentos da época, como a
escolha da bandeira nacional, a consolidação de Tiradentes como o "pai fundador" da nação e a queima de toda a documentação pública referente à escravidão, uma ordem do ministro Ruy Barbosa.
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