Ouçam a voz do povo
Opiniões desse tipo desse tipo podem chocar os bem-pensantes, mas o que a pesquisa pretende mostrar é como o povo da amostra pensa. Aceita-se isso ou segue-se o conselho do professor Antônio Delfim Netto em 1985, quando Jânio Quadros derrotou Fernando Henrique Cardoso na disputa pela Prefeitura de São Paulo:
— Vão precisar mudar de povo.
A cepa conservadora do eleitorado brasileiro está aí. O Brasil tem um eleitorado conservador em relação à segurança pública e aos costumes.
Os eleitores de Bolsonaro e Lula não são semelhantes em relação a alguns temas: 23% de um são contra o Bolsa Família, no outro lado só 9% (14% não opinaram).
De certa maneira, criaram-se dois estereótipos. O do sujeito que votou em Bolsonaro ficou previsível. O de Lula deveria levar seus explicadores do Brasil a calçar as sandálias da humildade. A “cara da democracia” compilada por Feres mostrou que mais de 20% dos eleitores de Lula são favoráveis à prisão de mulheres que interrompem a gravidez (36%), à privatização da Petrobras (37%) e contrários à punição de militares que participaram do 8 de Janeiro (29%). Depois de dez anos da demonstração das virtudes das cotas raciais nas universidades, 35% dos eleitores de Lula são contra. Do lado de Bolsonaro, são 52%.
Colocando esse número ao lado do 1,8 ponto percentual que deu a vitória a Lula, percebe-se o vigor de uma das Leis de Heitor Ferreira:
— Muitas vezes, não é um candidato que ganha, só outro que perde.
Bolsonaro perdeu em 2022, como o PT perdeu em 2018. Num exercício de passadologia, qual teria sido o resultado da eleição se Bolsonaro não tivesse pronunciado as palavras “vacina” ou “cloroquina”?
A agenda progressista tem virtudes, até porque a do regressismo amarrou o Brasil à escravidão e ao contrabando de negros. Mesmo assim, não é desse modo que marcham as sociedades. Quem ouvia Martin Luther King em 1963 jamais imaginaria que, em 2024, Donald Trump estivesse de novo com um pé na Casa Branca.