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Numa democracia, a violência não pode ter espaço

Por Editorial / O GLOBO

 

Os tiros disparados contra o ex-presidente americano Donald Trump neste sábado num comício em Bulder, na Pensilvânia — um dos estados críticos na eleição de novembro —, puseram a violência no centro da campanha eleitoral. Um integrante do público morreu, mas Trump felizmente sofreu apenas ferimentos leves. As manifestações unânimes de chefes de Estado e governo mundo afora, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, traduzem uma indignação mais que justa contra o atentado.

 

Num momento de forte pressão para a desistência do democrata Joe Biden em razão de suas repetidas demonstrações de declínio cognitivo, os olhos se voltam agora para o republicano Trump e para a convenção que, a partir desta segunda-feira, deverá sagrá-lo candidato.

 

Nos últimos anos, os atentados contra presidentes ou candidatos à Presidência nos Estados Unidos se tornaram menos frequentes. Um levantamento do Congresso elencou 15 tentativas de assassinato ao longo da História, cinco delas bem sucedidas. Dos 46 presidentes americanos, dez foram alvo de ataques e quatro foram mortos no cargo — Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy. As últimas tentativas frustradas alvejaram George W. Bush (uma granada que não explodiu em 2005), Bill Clinton (tiros contra a Casa Branca que não o atingiram em 1994) e Ronald Reagan (ferido a bala em 1981, sobreviveu).

 

Atos de violência que pareciam arrefecer ganharam novo ímpeto com a polarização que tomou conta do país, agravados pelo acesso fácil a armas como o fuzil AR-15 usado no atentado. A demonização de ambos os candidatos no discurso dos adversários acaba por alimentar a radicalização e funciona como chamado à violência. Numa pesquisa realizada no mês passado, 10% dos entrevistados consideraram justificável o uso da força para evitar um novo mandato de Trump. As investigações ainda confirmarão, mas, nesse ambiente inflamável, a varredura da área pelo serviço secreto para coibir o atentado falhou..

 

E basta um atentado do tipo para interferir num cenário eleitoral ainda incerto (foi o caso da facada que Jair Bolsonaro sofreu na campanha de que saiu vitorioso em 2018 no Brasil).

 

É ocioso dizer, mas sempre necessário repetir: a violência não pode ter nenhum espaço num regime democrático. A democracia é, por definição, o sistema em que conflitos são resolvidos por meio do debate, do diálogo e da negociação. Em suma, por meio da palavra e do voto, de acordo com regras claras, aceitas e respeitadas por todos – jamais à bala.

 

A principal dessas regras diz respeito às eleições. Um atentado contra qualquer candidato representa um ataque à democracia.

 

Não há dúvida de que o próprio Trump representa riscos para o regime democrático. Ao contestar os resultados legítimos da eleição que pôs Biden no poder, ao disseminar mentiras repulsivas sobre o sistema eleitoral e todo tipo de teoria conspiratória, ele alimenta a espiral de ódio que divide o país ao meio. Que ele próprio tenha se tornado uma vítima involuntária dessa espiral serve de alerta sobre a necessidade de moderação no discurso político. Adversários numa eleição não são inimigos a abater numa guerra. É um recado que vale não apenas para os americanos, mas para o mundo todo.

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