Janja ganha espaço no PT, se envolve nas eleições municipais e prepara futuro político
Por Roseann Kennedy / o estadão de sp
BRASÍLIA - A influência da primeira-dama Rosângela da Silva sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é tema recorrente em Brasília desde o início do atual governo. Mas, à medida que se aproximam as eleições municipais, fica cada vez mais evidente que Janja também ganha espaço no PT. Seu futuro político e eventual poder dentro da sigla, entretanto, são abordados com cautela e até certa apreensão os petistas. Procurada, a primeira-dama não quis se manifestar.
A primeira-dama já atua como uma porta-voz do partido para engajar mulheres na política e vai se empenhar no apoio às candidaturas femininas do PT neste ano, em palanques, gravações de vídeos e fazendo fotos com as postulantes ao cargo de prefeita.
“Janja está super à disposição. Ela fez algumas lives e tem participado dos processos. Agora, aguarda a finalização das composições das alianças para aí cair em campo. A expectativa é de rodar nos Estados”, diz a secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura.
Em março, por exemplo, Janja participou online do lançamento do programa Elas por Elas, que prepara mulheres para serem candidatas. Três mil mulheres compareceram ao evento. Meses antes, em dezembro, ela esteve presencialmente na conferência eleitoral da legenda.
Os compromissos dependem de uma brecha na agenda. Além de estar sempre ao lado do presidente Lula nas atividades no País e nas viagens ao exterior, Janja tem ingerência sobre a comunicação e outras áreas do governo, com apoio do marido.
Numa entrevista concedida à BBC, em abril, sobre a atuação das esposas de chefes do Executivo na América Latina, ela disse que seu papel no governo é de articuladora e que o presidente dá “total autonomia” para que possa exercer o que quiser.
O presidente deixa claro querer mais exposição para a mulher. Na quinta-feira, 11, disse que Rosângela da Silva será sua representante na abertura das Olimpíadas de Paris, em 26 de julho. No final de junho, já a havia convocado para apresentar o ComunicaBR, uma plataforma da Secretaria de Comunicação Social (Secom).
“Com a saída de Paulo Pimenta da Secom para assumir o Ministério para a Reconstrução do Rio Grande do Sul, Janja acabou tendo muita ascendência sobre a secretaria. Isso gera uma polêmica, porque ela está ocupando lugares de pessoas com mais legitimidade para falar sobre esses temas, uma vez que existem especialistas dentro da esfera de influência do PT em estratégia digital, comunicação”, avalia a cientista política Mayra Goulart, coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada da UFRJ.
Paulo Pimenta não deve voltar ao cargo de ministro da Secretaria de Comunicação e o setor tem o comando interino de Laércio Portela, de perfil mais reservado, sobre o qual o entendimento político é de que Janja pode se impor ainda mais.
Mayra Goulart chama atenção para a atuação da primeira-dama nas redes sociais, diretamente envolvida na divulgação de ações da gestão Lula 3. “A área digital foi onde Janja mais agiu na campanha e, de alguma maneira, com aqueles vídeos que mostravam um pouco da vida privada deles, ela atualizou, rejuvenesceu a figura do Lula nas redes sociais. Só que isso é diferente de você ter uma expertise em redes sociais. E essa é a crítica de quem está dentro desse campo e vê ela tendo muita ascendência sobre a Secom”, afirma.
Basta olhar as imagens postadas e suas declarações, para perceber que é explícito o prazer da primeira-dama com as vestes de personalidade política em evidência. Ela não é novata nesse ambiente. Já exerceu cargos políticos e tem bandeiras. Nas atividades com as mulheres do PT, por exemplo, sua participação tem duas linhas recorrentes: a necessidade de as mulheres disputarem eleições para ter mais presença na política e o debate da violência política de gênero.
Janja só não disputou cargos eletivos e, por ora, essa possibilidade não está no radar, até porque a legislação eleitoral não permite. São considerados inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção. No caso do presidente da República, a jurisdição inclui todo o País.
O advogado Luiz Fernando Casagrande, ex-coordenador geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), lembra que em 2008, quando Lula exercia seu segundo mandato presidencial, seu filho Marcos Cláudio Lula da Silva foi candidato ao cargo de vereador em São Bernardo do Campo. “O registro foi indeferido, pois os municípios estão abarcados na circunscrição do território da União. Até o momento, permanece esse entendimento. Então Janja não poderia ser candidata”, explica.
Falar do futuro político de Janja causa desconforto no PT
Dois antigos integrantes do PT falaram sob reserva com a Coluna do Estadão e avaliaram que Janja pode ter o espaço que desejar no partido. Em outra direção, porém, outros dois petistas que estão no dia a dia da legenda, também em condição de anonimato, disseram que hoje seu papel não é tão relevante dentro da sigla e sua atuação está limitada à atividade motivacional com o grupo feminino.
Claramente, falar sobre Janja é algo que causa desconforto e apreensão entre os quadros do partido do presidente Lula. Entre deputados e senadores, por exemplo, parece haver uma ordem de silêncio. Em várias das abordagens feitas pela Coluna para apurar se o partido tem ou deveria avaliar um projeto politico para a primeira-dama, houve uma resposta recorrente e com certa tensão: “sobre Janja não falo nada”.
Indagada se Janja seria um nome para o PT trabalhar para sua renovação, a secretária de Mulheres do partido despersonaliza a resposta. “Toda pessoa que é filiada tem direito a disputar se quiser. Não é diferente para Janja. Não há essa diferenciação”, ressalta Anne Moura.
Para ser uma aposto do PT no futuro, Janja tem de demonstrar mais força política, na avaliação do cientista político e diretor da Faculdade Republicana, Valdir Pucci. “Uma primeira-dama se torna ativo político quando ela se desvincula da figura de primeira-dama, aí ela está numa posição de destaque politicamente. Janja já esteve envolvida na política, mas nunca teve uma projeção nacional como está tendo agora. Então acredito que ainda é cedo para dizer, mas ela tem potencial sim para se tornar uma renovação dos quadros do PT”, conclui.
Mayra Goulart aponta outro desafio: quebrar a resistência que enfrenta entre mulheres mais conservadoras. “Se por um lado ela tem um charme para mulheres do campo progressista, porque fala muito da questão de gênero, é uma feminista e usa a linguagem feminista clássica, por outro ela é relativamente mal vista pelas mulheres conservadoras. E estas mulheres muitas vezes votaram no Lula. Elas são evangélicas e pobres, são religiosas e nordestinas, que não se identificam com uma feminista. Então é um problema para Janja aumentar a esfera de influência do PT, a esfera de intenção de votos”.
Entre mulheres petistas, a avaliação é que Janja cumpre um papel estratégico. “A Janja, desde o processo eleitoral, cumpre um papel estratégico. Ela já era militante e continua. Trabalhou muito na questão da cultura, na pauta ambiental e na presença das mulheres. É fundamental ter a presença dela. E ela tem desmistificado a figura do damismo”, diz Anne Moura.