Estados acumulam R$ 2,8 bi para segurança pública que não conseguem gastar
Os estados brasileiros acumulam R$ 2,8 bilhões repassados pelo governo federal para investimentos na área da segurança pública e que não foram gastos.
O principal entrave para o uso dos recursos é a falta de equipes técnicas preparadas para lidar com a burocracia federal, de acordo com os envolvidos.
Alguns estados, como Santa Catarina e Tocantins, aplicaram apenas um terço do total de verbas recebidas desde 2019.
Com isso, R$ 370 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública poderiam voltar aos cofres federais no final do ano por não terem sido utilizados dentro do período estabelecido. Para evitar isso, o Ministério da Justiça vai prorrogar por mais dois anos o prazo dos recursos repassados em 2019 e 2020.
A pasta, sob o comando de Ricardo Lewandowski, elencou a segurança pública como prioridade.
Diante disso, a execução do Fundo Nacional de Segurança Pública entrou no foco do ministro. Assim que ele assumiu o cargo, foi realizado um raio-x orçamentário, que encontrou as verbas paradas. Com isso, foi feita uma força tarefa para tentar ajudar os estados a utilizar o dinheiro disponível.
O governo federal tem sido cobrado para atuar mais no combate à criminalidade, um tema hoje muito explorado pelo bolsonarismo e pela oposição a Lula (PT). O assunto é um dos que mais preocupa os brasileiros hoje.
A pasta também ampliou o leque de ações de segurança pública que são elegíveis para receberem esses recursos, o que pode facilitar o emprego do dinheiro repassado, no entendimento de técnicos do ministério.
A mudança no prazo para permitir a utilização dos recursos por mais dois anos deve ocorrer por meio de uma portaria, que deve ser publicada nas próximas semanas, segundo a diretora de gestão do fundo, Camila Pintarelli.
O fundo foi instituído por lei em 2001, mas foi só em 2019 que começaram os repasses, com montantes anuais fixados para cada estado.
"No começo, eles [os estados] não pegaram muito bem essa lógica. E isso não é por culpa de ninguém, é simplesmente porque a dinâmica era nova, não havia equipes preparadas para lidar com essa transferência de recursos fundo a fundo em segurança", disse Pintarelli .
Depois veio a pandemia e somente no ano passado é que houve o que Camila chamou de "estabilidade no aprendizado". Ou seja: os estados aprenderam o caminho da burocracia para efetivamente usar os recursos do fundo.
Na busca de tentar aproximar o ministério das secretarias estaduais, foi criada uma rede do fundo, que se reúne uma vez por mês no ministério com as equipes dos estados para buscar desatar eventuais nós. Desde 5 de abril, quando essa tática foi implementada, as unidades federativas já empenharam R$ 800 milhões.
"No fim do dia, política pública de segurança pública é orçamento. Tendo orçamento, tendo dinheiro, a política sai. E não adianta nada a gente repassar esse valor vultoso de recurso se a equipe que está lá na ponta não tem formação técnica para fazer o arranjo orçamentário disso", disse.
O objetivo do fundo nacional é apoiar projetos apresentados pelos estados. A lista inclui, por exemplo, a criação de uma delegacia da mulher, a compra de viaturas ou a implementação de câmeras corporais para policiais.
Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná —todos comandados por governadores de oposição a Lula— têm hoje os melhores índices de execução dos recursos do fundo.
Já Santa Catarina, também governado pela oposição, é o que apresenta o menor porcentual de recursos executados, com apenas 34% dos R$ 100 milhões recebidos. Os dados do Ministério da Justiça vão até 2022.
A Secretaria de Segurança Pública catarinense afirma que "dificuldades como a mudança na lei e licitações, onde todos os processos haviam ficado suspensos até readequação, já foram superadas e neste ano de 2024 os recursos referidos estão em vias de contratação e execução em sua totalidade".
O governo de Tocantins afirma que "com relação às dificuldades, a SSP-TO esclarece que são de cunho processual, atinentes aos procedimentos licitatórios, como por exemplo: licitações desertas, fracassadas e atendimento de diligências".
Goiás, governado por Ronaldo Caiado (União), é o sexto colocado no ranking dos estados que mais conseguem gastar os recursos repassados pela União. Desde 2019, ele já recebeu R$ 121 milhões e conseguiu executar cerca de 70%.
A segurança pública deve ser um dos principais temas da eleição municipal desse ano, o que deve se repetir na disputa presidencial em 2026 —o combate à criminalidade é uma das principais bandeiras de governadores de oposição postulantes ao Palácio do Planalto.
Caiado tem sido uma das principais vozes nesse setor para criticar a gestão Lula. Recentemente, ele disse que "existe acovardamento do governo federal em enfrentar as facções".
No mesmo evento, Seminário Brasil Hoje 2024, em maio, ele também criticou a ideia de uma política nacional de segurança pública –medida que faz parte de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) defendida por Lewandowski.
Caiado ainda se queixou de não ter "repasse nenhum do governo federal, dinheiro mínimo, irrisório", apesar do valor recebido pelo estado do fundo nacional.
Em agosto do ano passado, o então ministro da Justiça Flávio Dino determinou alguns critérios para os estados receberem repasse. As exigências incluíam planos de ação para diversas áreas: redução de mortes violentas intencionais; enfrentamento da violência contra a mulher; e melhoria da qualidade de vida dos profissionais da segurança pública.
A avaliação na pasta, sob a gestão de Lewandowski, é de que o critério era muito restritivo e engessava os municípios na hora de apresentarem projetos para demandar recursos.
Então, neste ano, ele incluiu na lista duas novas áreas: enfrentamento ao crime organizado e proteção patrimonial –que incluiu projetos para atacar, por exemplo, o roubo de celulares.
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, defende que o ministério torne a capacitação de pessoas como um dos requisitos do repasse de recursos.
"Estruturação e capacitação do pessoal deveria ser um eixo do próprio fundo. Diz para o estado: você vai usar R$ 100 mil, R$ 150 mil para estruturar na sua secretaria um escritório de projetos qualificado para gerir dinheiro", disse.
"O dinheiro é importante, mas ainda é muito aquém do que ele [governo federal] realmente poderia. Se governo quer ser indutor de política pública, não é com R$ 2 bilhões por ano, só vai apagar incêndio", disse, mas sem arriscar uma cifra ideal.
FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
O que é: fundo no âmbito do Ministério da Justiça, que tem o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do governo federal
Total repassado de 2019 a 2023 : R$ 4,3 bilhões
Valor ainda na conta dos estados em 2024: R$ 2,8 bilhões
Maiores repasses para estados (até 2022):
- São Paulo - R$ 168 milhões
- Rio de Janeiro - R$ 151 milhões
- Mato Grosso do Sul - R$ 145 milhões
Menores repasses para estados (exceto 2023):
- Santa Catarina - R$ 100 milhões
- Paraíba - R$ 98 milhões
- Tocantins - R$ 94 milhões
Estados que mais executaram os recursos (até 2022)
- São Paulo - 85%
- Rio Grande do Sul - R$ 85%
- Paraná - 71%
Estados que menos executarem os recursos (até 2022)
- Pará - 45%
- Tocantins - 36%
- Santa Catarina - 34%
Fonte: Ministério da Justiça