Busque abaixo o que você precisa!

O gosto amargo da reforma

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

A Câmara dos Deputados aprovou o primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária nesta semana. Proteladas há décadas, a modernização e a simplificação da tributação, com a transparência dos incentivos, a não cumulatividade, a migração da incidência dos impostos da origem para o destino e o fim da deletéria guerra fiscal entre os Estados, eram mudanças urgentes e necessárias, méritos que já foram reconhecidos por este jornal.

 

Contudo, a Câmara desperdiçou a melhor chance dos últimos anos de tornar o sistema tributário mais justo e menos regressivo. Oportunidades como essas são raras, mas expõem de maneira cristalina as razões pelas quais o País é um dos campeões mundiais em matéria de desigualdade social e de baixa produtividade. Não é por um acidente de destino.

 

Debates rasos, expeditos e fechados marcaram muitas das discussões da reforma, especialmente a principal delas: a desoneração da cesta básica. Trata-se de uma medida cara, sem foco e pouco efetiva para a redução da pobreza, o oposto do que preconizam os melhores especialistas em políticas públicas.

 

Manter as proteínas entre os produtos com alíquota reduzida em 60% e que ensejariam a devolução de impostos às famílias inscritas no Cadastro Único era a escolha mais racional e equilibrada, tanto para o público atendido pelos programas sociais do governo quanto para a saúde das contas públicas.

À primeira vista, a medida poderia ser considerada impopular, mas havia pesos-pesados da política nacional dispostos a arcar com o ônus de uma decisão tecnicamente correta. Ainda assim, carnes, frango, peixes e queijos de todo o tipo foram incluídos entre os itens que terão alíquota zero para todos os brasileiros, independentemente da renda, por 477 votos a 3.

 

Governo e oposição disputam a autoria por uma medida na qual quem venceu foi o populismo suprapartidário e supraideológico. Quem perdeu foi o País, especialmente as famílias mais vulneráveis, cujo reduzido poder de compra foi instrumentalizado em nome de outros interesses.

 

Cada escolha é uma renúncia, e esta terá uma consequência incontestável: a elevação da alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que, tudo indica, será a mais alta entre os países que utilizam esse sistema tributário, à frente de muitos países ricos conhecidos por serviços públicos universais e de qualidade.

 

Cálculos do Ministério da Fazenda apontavam que a alíquota média do IVA seria de 26,5%, e que esse porcentual subiria 0,53 ponto porcentual caso as proteínas ficassem livres de impostos. Como essa e muitas outras distorções receberam amplo apoio dos deputados, o IVA médio será de 27,2% e, no limite, poderá atingir até 27,4%, segundo estimativas do economista e tributarista Eduardo Fleury.

 

Como contrapartida à inclusão das proteínas, a Câmara adicionou no texto uma suposta trava para impedir que a alíquota padrão ultrapasse os 26,5%. Esse dispositivo teria dado conforto aos parlamentares para relaxar e aceitar as diversas exceções.

 

Conforme a regra da tal trava, se a alíquota passar do teto será preciso cortar algum benefício a partir de 2033, quando a reforma entrará plenamente em vigor. Ora, os deputados podem ser chamados de tudo, menos de ingênuos: não há garantia nenhuma de que esse limite será respeitado ou de que haverá qualquer punição caso não seja. A desmoralização do teto de gastos e do arcabouço fiscal deveria bastar como prova disso. Além do mais, a atual carga tributária, já bastante elevada, já não é suficiente para cobrir todas as despesas há mais de dez anos.

 

A tendência é a de que esse desequilíbrio fiscal se acentue no futuro. Sem reformas que revejam os gastos, não haverá alternativa que não passe pelo aumento de impostos – medida que acentuará tanto a falta de competitividade do País quanto a péssima percepção sobre a qualidade dos serviços públicos.

 

Que fique claro: a reforma tributária é fundamentalmente boa, sobretudo quando comparada ao manicômio que ela substituirá, mas poderia ter sido melhor. A Câmara dos Deputados, que deveria representar o povo, lamentavelmente mostrou não estar à altura desse debate. Que o Senado tenha a coragem de enfrentá-lo.

Compartilhar Conteúdo

444