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É hora de recobrar um clima de normalidade

EDITORIAL DE O GLOBO

 

Elon Musk foi irresponsável ao se recusar a cumprir ordens da Justiça brasileira para remover posts e contas da rede social X (ex-Twitter), sob a alegação de preservar a liberdade de expressão. Em reação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o incluiu na investigação sobre milícias digitais e impôs multa a cada ordem descumprida.

 

É evidente que, como qualquer empresa que atua no Brasil, o X tem de seguir as leis e determinações da Justiça brasileira. E, no que diz respeito à liberdade de expressão, elas são mais restritivas que as americanas. Em particular, há salvaguardas para preservar as instituições. A Constituição protege todo tipo de discurso, mesmo o antidemocrático, mas há limites. A legislação eleitoral e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) coibiram teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas ou fantasias sobre o resultado da eleição de 2022. Conclamar e tramar golpes de Estado representa afronta à Lei do Estado Democrático de Direito. O Marco Civil da Internet também impõe outras restrições necessárias.

 

Foi com base nesse arcabouço jurídico que o Supremo bloqueou contas e suspendeu postagens na campanha eleitoral e nas investigações sobre o 8 de Janeiro, a maior ameaça recente à democracia brasileira. “Algum endurecimento da Justiça foi necessário para conter as ações antidemocráticas”, diz Pablo Ortellado, professor da USP e colunista do GLOBO. Mas isso não significa que todas as decisões do STF tenham sido ou sejam razoáveis. “O 8 de Janeiro aconteceu há mais de um ano e as suspensões de conta permanecem, sem boa justificativa.”

 

Felizmente, graças em grande parte ao Supremo, a democracia não está mais sob ameaça iminente. Por isso não se justifica que investigações continuem a tramitar em segredo de Justiça. Não se sabe sequer quantas contas o STF mandou suspender no X, a quem pertencem, nem por quê. A falta de transparência torna impossível avaliar se as exigências da lei foram respeitadas e empresta certa credibilidade às acusações de arbítrio contra o Supremo, especialmente da extrema direita.

 

Tirar um post do ar pode ser justificável quando houver conteúdo que atente contra a lei. Suspender uma conta, porém, deveria exigir crivo mais rigoroso, pois equivale a cercear a priori o direito à expressão, algo que só se justifica se a investigação comprovar uso para crimes graves (terrorismo, pedofilia, conspiração para tomar o poder etc.). O pior, diz o jurista Gustavo Binenbojm, seria o STF confundir meras declarações antidemocráticas — por mais repugnantes — com atos antidemocráticos que ameaçam instituições.

 

Nada justifica a teimosia de Musk em descumprir ordens judiciais. Mas Moraes deveria evitar medidas extremas, como suspender o X no Brasil, ameaça usada contra o Telegram antes das eleições. Isso puniria milhões que usam a plataforma dentro da lei, acirraria o conflito e prejudicaria o debate sobre uma regulação eficaz, capaz de proteger a livre expressão e, ao mesmo tempo, pôr fim à terra sem lei das redes.

 

O foro adequado para tal debate é o Congresso, onde tramita o PL de Regulação das Redes Sociais, que, se aprovado, traria clareza jurídica a situações como a enfrentada pelo STF diante do X. Quanto à Justiça, deve agir com mais transparência e entender que não é hora de acirrar as tensões, mas de recobrar o clima de normalidade institucional essencial a toda democracia.

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