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Fim de uma fase?

Por Merval Pereira / O GLOBO

 

Fechando uma década de profundas transformações sociais no Brasil, em que o combate à corrupção ganhou um protagonismo capaz de alterar estruturalmente o país, mas foi interrompido de maneira abrupta por uma reação do establishment que deve ser encerrada momentaneamente com a cassação do mandato de senador do ex-juiz Sérgio Moro, temos hoje em São Paulo uma das muitas manifestações populares que mobilizaram o país a partir de 2013.

 

A Operação Lava Jato vem sendo desmontada metodicamente pelos mesmos que um dia a apoiaram, mas não desejavam que chegasse tão longe quanto chegou. Como sempre no Brasil, o retrocesso foi auxiliado por atitudes imprudentes dos que tinham a tarefa de limpar os caminhos da República, incapazes de arcar com o peso histórico e institucional das ações que praticavam. A atuação de Moro na Operação Lava-Jato, no entanto, nada tem a ver com sua condição de senador eleito pelo Paraná, e o julgamento no TRE não deveria ser confundido com sua atuação como juiz. Só que não parece o que está acontecendo. Há um sentimento de vingança no ar.

 

Pode ser o fim de uma década em que o retrocesso político marcou uma evolução abortada, com a inacreditável chegada de Jair Bolsonaro ao poder máximo do país, ou a retomada de um processo que pode nos levar a uma nova fase de descrédito e decadência. Nesse curto espaço de tempo, a direita brasileira, abafada durante os anteriores 20 anos de predominância da dupla PSDB e PT na cena brasileira, renasceu das cinzas para se tornar, no momento, a força política mais vital em ação, embora perniciosa, pois controlada pela sua face extrema representada por Bolsonaro.

 

O sucesso da manifestação de hoje, se acontecer, terá a marca dessa dialética entre as forças conservadoras que disputam o espaço político legitimamente, e o extremismo radical que por enquanto tem as rédeas do movimento popular insuflado para ir às ruas dar apoio moral a uma tentativa de golpe antidemocrático que manchará a democracia brasileira se não for rechaçado.

 

O retrocesso que marcou a década não se limita aos que colocaram em risco a democracia brasileira, mas também àqueles que, a pretexto de combater o golpismo, ganharam o poder com o objetivo explícito de levar o país para uma situação de ampla união nacional mas, na prática, tentam manipular o poder alcançado às custas de uma parcela moderada da população para uma transformação social e política não ansiada pela maioria.

 

Voltamos, depois de um ano de governo petista, a uma situação paradoxal na qual os eleitores de 2022 não tiveram atendidos seus anseios, e não têm alternativa diante do avanço da extrema direita devido aos desvios ideológicos da esquerda, no poder por circunstâncias que nada têm a ver com seus desígnios. A esquerda está se perdendo em debates estéreis, como já chamou a atenção o presidente Lula, e quanto mais se empenha em identitarismos, se isola dos anseios da população, que se preocupa mais com valores do que com resultados econômicos.

 

Chegou o tempo em que medidas populistas, mas necessárias, como ações compensatórias para os mais necessitados, ou cotas raciais, deixam de ser vistas como concessões governamentais, pois tornam-se parte do cotidiano já conquistado. O que foi surpreendente em 2013, uma manifestação popular que extrapolou a reivindicação formal do custo da passagem de ônibus, com o tempo passou a ser constatado como o motivador de manifestações populares, especialmente depois dos novos meios sociais.

 

Os problemas do dia a dia ; o sentimento de pertencimento a grupos menosprezados pela elite não apenas econômica, mas cultural do país; os objetivos de vida que não têm a ver com políticas partidárias, mas com política de vida são catalisadores de manifestações populares que se utilizam da ânsia por participação dos relegados do sistema, para usá-los como massa de manobra de políticos ambiciosos. Quanto mais o governo eleito se afasta da maioria para compensar os seus apaniguados, seja ideológica, seja fisiologicamente, mais perde aderência ao cotidiano para viver seus projetos megalômanos de guia superior dos povos.

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