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Estado ausente, cidadãos desamparados

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Hauridos pela violência que aterroriza o bairro e, não sem razão, sentindo-se abandonados pelo Estado, alguns moradores de Copacabana, na zona sul do Rio, reuniram-se em grupos para identificar, perseguir e atacar suspeitos de cometerem crimes na região, sobretudo roubos.

 

À luz da lei, deve-se dizer com todas as letras: “justiceiros” são tão criminosos quanto aqueles que, supostamente, pretendem enfrentar. Cabe ao Estado exercer o monopólio da violência. Essa é a essência do pacto social, o atributo fundamental de uma sociedade civilizada. O resto é barbárie.

 

De fato, são revoltantes as imagens que correram o País mostrando hordas de criminosos cercando suas vítimas nas ruas de Copacabana, a maioria mulheres, como uma alcateia que cerca uma presa. Compreende-se a angústia dos muitos cariocas que se sentem largados à própria sorte – não só em Copacabana, como em quase todos os bairros – por um Estado frequentemente ausente, seja por desídia, corrupção ou conluio com os criminosos. Porém, como é óbvio, não se combate a criminalidade recorrendo a ações criminosas, como são as ações de justiçamento – que passam longe de serem legais ou moralmente aceitáveis, como atestam os muitos indivíduos, culpados ou inocentes, que já morreram a pauladas, socos e pontapés.

 

Legítima mobilização cidadã seria a reunião dos moradores para cobrar do governador Cláudio Castro a mobilização da Polícia Militar, em particular do 19.º Batalhão, responsável pelo policiamento ostensivo em Copacabana e no Leme, para reforçar a segurança em ambos os bairros. Também é possível buscar formas de estreitar a colaboração entre a comunidade e as forças de segurança com vista à construção de um ambiente mais seguro para todos.

 

É provável que tudo isso tenha sido feito, mas a inação do Estado não autoriza que cidadãos tomem o poder de polícia nas próprias mãos. Se a anomia começa a imperar num dos bairros mais tradicionais da zona sul carioca, um dos pontos mais simbólicos do Rio e do Brasil mundo afora, como estarão as outras regiões do Estado que não foram agraciadas com o charme da “Princesinha do Mar”?

 

Não bastassem os problemas de ordem legal, o justiçamento ainda corrói o tecido social na medida em que conspurca o verdadeiro laço de solidariedade que deve unir os cidadãos. A reunião desses grupos de “justiceiros” teve início logo após o empresário Marcelo Rubim Benchimol ser brutalmente atacado por assaltantes ao tentar amparar uma mulher que havia sido roubada momentos antes na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das mais movimentadas do bairro. Não há registro de que o sr. Benchimol tenha sido acudido por seus concidadãos nem tampouco que alguém tenha acionado a polícia. Soube-se do caso pela imprensa, por meio da divulgação de imagens da agressão captadas por câmeras de segurança instaladas num imóvel próximo.

 

A reação violenta dos moradores de Copacabana, em boa medida previsível pela perigosa combinação das sensações de terror e desamparo, é algo que não se coaduna com os princípios de um Estado Democrático de Direito e deve ser contida dentro da mais absoluta legalidade. É inegável, porém, que esse modo de agir reflete o desespero de cidadãos que desejam nada mais do que poder sair às ruas sem o pavor de serem assaltados e mortos ao virar uma esquina. Cabe ao sr. Cláudio Castro agir para retomar o controle de áreas que hoje estão entregues ao arbítrio dos criminosos, que definem quando e quem pode circular por territórios cada vez mais amplos do Estado.

 

A falência do Rio em garantir a segurança dos cidadãos, há muito submetidos ao tacão de ladrões, milicianos ou traficantes, é, em última análise, a falência do Estado em sua própria razão de existir. Se não serve para garantir o básico, servirá para quê? Ou o governo do Estado se emenda e passa a exercer o monopólio da violência com técnica e legalidade ou justiçamentos como esses havidos em Copacabana serão cada vez mais corriqueiros, fazendo letra morta das leis e da Constituição e instituindo no Rio a Lei do Talião.

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