Pisa: notas dos países ricos têm queda histórica em exame; Brasil segue entre os piores
Por Renata Cafardo e Leon Ferrari / O ESTADÃO DE SP
O desempenho dos estudantes em Matemática e Leitura nos países ricos durante a pandemia teve a maior queda da história na prova mais importante da educação do mundo, o Pisa. Os resultados do exame, que avalia alunos de 15 anos, foram divulgados nesta terça-feira, 5. Já com notas muito baixas ao longo das edições do exame, a nota do Brasil se manteve praticamente estável, mas subiu algumas posições no ranking.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pela prova, considerou a queda mundial como “sem precedentes” e “dramática”. Diretor de Educação e Habilidades do Pisa, Andreas Schleicher, afirmou que o Brasil foi um dos países “sortudos”, onde o desempenho não foi tão prejudicado na crise sanitária.
Para o ministro da educação, Camilo Santana, isso foi reflexo do “esforço de Estados e dos governadores, mesmo na ausência do MEC” no período.
Segundo os novos resultados do Pisa, um em cada quatro adolescentes de 15 anos dos países mais ricos do mundo agora tem baixo desempenho em Matemática, Leitura e Ciências.
Isso significa que eles têm dificuldades para fazer tarefas como aplicar operações matemáticas básicas ou interpretar textos simples. Não conseguem fazer contas com porcentagens ou distinguir fatos de opiniões. Apesar da estabilidade, no Brasil, muito mais alunos estão no grupo considerado abaixo do básico em Matemática para a OCDE: 73% do total.
Os dados revelam a demanda de estratégias de recomposição de aprendizagem e acompanhamento de alunos nos sistemas educacionais. Além de lacunas de conteúdo, especialistas alertam sobre desafios provenientes do uso da tecnologia. Pesam ainda questões socioemocionais para uma geração que teve parte de seu desenvolvimento na quarentena, com efeitos na saúde mental de crianças e jovens.
Em Matemática, a diferença entre a prova feita em 2018 e a do ano passado foi de 15 pontos a menos nos países ricos (membros da OCDE), o equivalente aos alunos terem perdido ¾ de um ano escolar. O desempenho foi pior entre alunos de todos os perfis socioeconômicos.
O Pisa não tem escala máxima ou mínima de pontos. As nações são divididas em uma média de aproximadamente 500 pontos, com desvio-padrão de 100 pontos no exame.
O exame, que seria realizado em 2021, foi adiado por causa do fechamento das escolas na pandemia. Quase 700 mil alunos em 81 países participaram da avaliação, entre os que fazem parte da OCDE e nações convidadas.
O Pisa tem questões de três áreas: Matemática, Leitura e Ciência. Apenas em Ciência as notas se mantiveram parecidas com as de 2018. Cada ano, o exame é focado em uma disciplina, o que significa ter mais questões e mais análises dessa área. Desta vez, o foco foi Matemática.
Os estudantes brasileiros ficaram com nota 379 em Matemática, na 65º lugar do ranking, atrás de Colômbia e Cazaquistão. Em Leitura, foram 410 pontos e a 52º colocação, desta vez na frente dos mesmos dois países. Em Ciência, o Brasil aparece em 61º, abaixo da Argentina e do Peru, e com 403 pontos.
Em 2018, as notas tinham sido 384, 413 e 404, respectivamente, o que foi considerado como “estabilidade” para a OCDE. O fato de o Brasil ter a maioria de seus alunos nos níveis mais baixos de desempenho pode ter feito com que a nota geral não caísse tanto.
Isso ocorreu mesmo depois de o Brasil ter mais dias com escolas fechadas por causa da covid. Em média, os estudantes de países da OCDE encararam 101 dias com ensino remoto na pandemia. No Brasil, essa quarentena durou 253 dias.
“Vemos que 81% dos alunos que fazem o Pisa são do ensino médio, então o resultado foi reflexo do esforço do governos estaduais, dos governadores, para garantir as aulas e permanência da aprendizagem, frente às dificuldades da pandemia que enfrentamos, mesmo com a ausência do MEC”, disse Camilo, referindo-se ao período do governo de Jair Bolsonaro (PL), quando a prova foi realizada no Brasil.
Antes da crise sanitária, o Brasil já vinha discutindo estratégias para melhorar o desempenho dos adolescentes, entre elas a reforma do ensino médio, que flexibilizou o currículo da etapa, sob o argumento de torná-la mais atrativa para os jovens. Após falhas na implementação no modelo aprovado em 2017, o novo ensino médio foi alvo de críticas e um projeto de lei que ajusta a reforma tramita no Congresso.
Para o ministro, o resultado do Pisa é uma “comprovação da necessidade de reforçar as disciplinas básicas, de Matemática e Português”. O proposta do governo, que está no Congresso e enfrenta críticas do relator, aumenta a carga horária da formação básica no ensino médio, que havia sido reduzida na reforma.
No topo da Matemática estão seis asiáticos: Cingapura, China (representada pela província de Macau), Taiwan, Hong Kong, Japão e Coreia do Sul.
Cingapura tem a nota mais alta também em Leitura e em Ciência, mas nessas listas aparecem também países como Estônia, Canadá e Irlanda. Na América Latina, o melhor no ranking da OCDE é o Chile.
Para a OCDE, a redução nas notas foi causada pela pandemia, mas não somente por ela. O relatório menciona que o desempenho de alguns países já vinha caindo ao longo dos anos.
Segundo a entidade, o fechamento das escolas “impulsionou uma conversão global para a aprendizagem remota, aumentando os desafios a longo prazo que já haviam surgido, como o uso da tecnologia nas salas de aula”. O Pisa discute também, por exemplo, efeitos no desempenho dos jovens causado pela distração com o uso do celular.
“Não podemos atribuir a queda dramática nas notas apenas à covid. Notamos que há muita distração dos alunos com celular e diminuiu a participação dos pais nas escolas dos filhos”, disse Schleicher. Segundo o relatório do Pisa, as notas dos estudantes melhoram em nações em que os pais costumam discutir a educação dos filhos com os professores. Esse índice também caiu entre 2018 e 2022 mundialmente.
As médias dos países da OCDE foram 472 em Matemática, 476 em Leitura e 485, em Ciência. A Finlândia, que já esteve no topo do ranking do Pisa, teve queda de 23 pontos em Matemática, mas se manteve entre as 20 primeiras colocações. Alemanha, Noruega e Estados Unidos tiveram quedas de 25, 33 e 13 pontos nas notas.
Apenas 1% dos estudantes brasileiros consegue chegar às notas mais altas em Matemática, o que significa que eles encontram as melhores estratégias para resolver problemas matemáticos usando um conhecimento não explícito na questão. Em Cingapura, 41% dos alunos estão nesses níveis; em Taiwan, 32%. A média em países da OCDE é de 9%.
Schleicher explica no relatório que os alunos não têm apenas de demonstrar apenas conhecimento do conteúdo. “Mas também pensar como um matemático, traduzir problemas do mundo real para o mundo da matemática, raciocinar matematicamente e interpretar soluções.”
Ele diz ainda que algumas pessoas afirmam que as provas do Pisa são injustas porque “confrontam alunos com problemas que não encontraram na escola”. Mas, segundo Schleicher, “a vida é injusta, porque o verdadeiro teste na vida não é saber se conseguimos lembrar o que aprendemos na escola, mas se seremos capazes de resolver problemas que não podemos prever hoje.”
As questões de Matemática do Pisa pedem atividades como cálculos aritméticos, resolver equações, deduções lógicas a partir de suposições matemáticas, extrair informações matemáticas de tabelas e gráficos, análise de dados. Muitas se referem a práticas do cotidiano como preparar comida, fazer compras, organizar finanças pessoais.
Uma das poucas questões disponibilizadas no relatório da OCDE, de nível básico, mostrava um triângulo e pedia que o aluno indicasse a porcentagem relativa ao padrão das figuras que se repetiam dentro desse triângulo.
O diretor do Pisa disse ainda que os países têm muito o que aprender com Cingapura, a primeira nos três rankings internacionais. Ele destacou a valorização dos professores no país, que são escolhidos entre os melhores alunos que saem do ensino médio e têm carreira atrativa, segundo ele, com reconhecimento, autonomia, possibilidade de colaboração com os colegas. “Há muito mais para fazer no reconhecimento da carreira do professor do que só salário”, afirmou.
Diferenças de gênero e socioeconômicas
O Pisa também mostra que a desigualdade entre estudantes no Brasil não aumentou nem diminuiu na última década. A diferença na nota entre alunos que estão entre 25% mais ricos no Brasil e os 25% mais pobres foi de 77 pontos em 2022.
Historicamente, o Pisa tem mostrado que a condição socioeconômica é um preditor da nota dos alunos, mas há países com alto número dos chamados estudantes resilientes. São os jovens que, mesmo no grupo dos mais pobres, conseguem ter alto desempenho. No Brasil, o índice é de 10%.
Assim como em outras edições do Pisa, os meninos tiveram notas mais altas que as meninas em Matemática na maior parte do países (40). Em outros 17, foram as meninas que tiraram notas maiores e em 24 não houve diferença.
No Brasil, a diferença foi de 8 pontos a mais para os meninos em Matemática, mas eles têm piorado seu desempenho nos últimos dez anos, enquanto as meninas continuam estáveis. Em Leitura, as alunas se saíram melhor em 79 dos 81 países que fizeram o Pisa.