Travas para mobilização e medo pós-8/1 esvaziam atos no 15/11 um ano após boom em quartéis
Joelmir Tavares / folha de sp
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram às ruas em manifestações neste feriado da Proclamação da República num momento em que a direita ainda lida com a perda de fôlego nas mobilizações. Os atos desta quarta-feira (15) foram afetados também pela onda de calor.
Na avenida Paulista, manifestantes se concentraram em frente ao prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Um dos organizadores, o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos), líder do movimento Nas Ruas, disse que o medo tem inibido parte da militância.
Punições aos participantes dos ataques do 8 de janeiro e decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) são apontadas como causas do temor de voltar às ruas. Há um ano, os protestos tiveram adesão superior, impulsionados pela contestação do resultado das urnas, no golpismo incitado por Bolsonaro.
Com a indumentária típica dos protestos bolsonaristas —verde e amarelo, bandeiras do Brasil e gritos de guerra contra a esquerda—, a manifestação na capital paulista pediu impeachment de Lula (PT), atacou o STF, clamou pela volta da Operação Lava Jato e apoiou Israel, entre outras pautas.
O ato, que tinha como mote oficial a defesa dos direitos constitucionais nos 134 anos de Proclamação da República, foi convocado por nove movimentos conservadores. O Nas Ruas, que tem entre seus fundadores a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), é o mais conhecido.
Entre os demais grupos envolvidos, estavam: Tias e Tios do Zap, Escolhidos por Deus, Arquitetos Fora da Caixa Brasil, Renovação Patriota e Na Luz do Caminho.
Nos cartazes e falas no caminhão de som, eram muitos os apelos por liberdade, ecoando a retórica de Bolsonaro e a visão de que Poderes têm atuado contra a direita e os direitos individuais.
Termômetros ao longo da avenida marcavam 38°C no início da tarde, o que fez com que uma fatia dos participantes buscasse abrigo nas poucas áreas de sombra.
No microfone, organizadores reconheciam o esforço dos que permaneciam sob o sol. Na tentativa de aglutinar os presentes, uma das oradoras conclamou todos a "unir forças em frente à carreta".
As convocações anunciavam a concentração para as 12h e o começo do ato às 14h. Quando deu o horário do início, o número de participantes era insuficiente para o fechamento de uma das pistas da avenida. Eles dividiram o espaço com os carros, e só depois o trânsito foi bloqueado no sentido Paraíso.
Em redes sociais, foram compartilhadas imagens de outras manifestações bolsonaristas na avenida como se fossem desta quarta, distorcendo a realidade para afirmar que a via estava lotada.
A Polícia Militar não informou estimativa de público. Manifestantes ficaram dispersos pela Paulista, mas se limitavam a poucas centenas no começo da tarde. No ano passado, insatisfeitas com a eleição de Lula e pedindo intervenção do Exército, milhares de pessoas se concentraram diante de quartéis.
"Hoje é um dia importante para que a gente possa voltar para as ruas de maneira ordeira, democrática, responsável, sem nenhum tipo de ataque a instituições ou pessoas", disse Abduch à Folha, ressaltando que a democracia pressupõe liberdade de expressão e de manifestação.
Ao redor, cartazes exibiam frases como "fora STF" e "STF organização criminosa". O parlamentar e porta-voz do Nas Ruas afirmou não compactuar com mensagens contra a existência das instituições, mas defendeu a legitimidade de discordar, por exemplo, de decisões do Judiciário.
"As pessoas estão com um pouco de medo de voltarem às ruas, e eu gostaria muito que elas não tenham. Se a gente estiver nas ruas de maneira educada e sem ataques a pessoas ou a instituições, não há por que haver medo. O que não pode acontecer é desrespeito, quebrar patrimônio público [como no 8/1]."
Segundo ele, "a população ficou assustada" com as respostas ao 8 de janeiro, com penas criticadas pelo exagero. Um manifestante mostrava placa que se referia aos réus como presos políticos.
Abduch disse ter ido ao ato para defender uma reforma administrativa na máquina federal e a privatização da Sabesp —projeto do governador Tarcísio de Freitas, seu colega de partido—, além de se posicionar contra medidas do governo Lula que ameaçam o equilíbrio fiscal.
Ativistas de direita ouvidos pela Folha têm relatado nos bastidores que o afastamento de políticos das convocações é uma das razões para o arrefecimento das mobilizações. Além disso, dizem que é desafiador convergir para uma causa capaz de arregimentar multidões como no passado.
Ao longo deste ano, bolsonaristas promoveram em 7 de setembro e 12 de outubro atos com bandeiras da direita e do conservadorismo. Em ambas as datas, concentrações em diferentes cidades tiveram público reduzido, baixa adesão da classe política e repercussão tímida.
Os protestos de outubro tinham como mote central a oposição ao aborto. Ao discursar em Belo Horizonte, Bolsonaro notou que o público era menor do que na vez anterior em que passou pela capital mineira e disse crer que "a diminuição no número de pessoas é pelo temor do que aconteceu em 8 de janeiro".
Nem o ex-presidente nem seu núcleo duro, que inclui os filhos políticos, participaram ativamente das convocações, que foram puxadas sobretudo por movimentos, influenciadores digitais e aliados.
Nesta quarta, a difusão das pautas era nítida na Paulista. Camisetas e cartazes passavam pelo "fora, Lula" e pela defesa de voto impresso auditado e chegavam ao pedido para que o Senado "pare" o STF.
Também foram vistas mensagens de endosso a Israel na guerra contra o Hamas, apoio à eleição de Donald Trump nos EUA em 2024 e protestos contra o aborto e a doutrinação ideológica nas escolas.
"Lula, ladrão, seu lugar é na prisão", cantavam manifestantes, que também entoavam em coro: "Lula, cachaceiro, devolve o meu dinheiro". Alguns reivindicavam a deposição e a prisão do petista, assim como a saída do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Discussões e trocas de provocações ocorreram ao longo do ato com transeuntes que se expressavam contra a manifestação ou em defesa de Lula. Um homem de camisa vermelha foi vaiado, e uma mulher que fez o "L" com os dedos antes de entrar na estação do metrô ouviu de volta: "Cuidado com o celular".
Ambulantes vendiam adereços em verde e amarelo, como chapéus e apitos, e camisetas de "Bolsonaro presidente", estampadas com um desenho do político que perdeu a reeleição no ano passado por uma diferença de 1,8 ponto percentual para Lula e está inelegível até 2030.
Além de São Paulo, foram realizadas manifestações neste feriado em pelo menos outras 12 capitais, segundo o portal UOL. Até a publicação deste texto, Bolsonaro não havia comentado o assunto.