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Não é por falta de aviso

O ESTADÃO DE SP

O Brasil urbano tem um total de 123 mil hectares ocupados por seus cidadãos em áreas suscetíveis a riscos de inundação, deslizamento, seca e estiagem. O dado de 2022, levantado pelos cientistas do MapBiomas, já seria altamente preocupante sem considerar os incontroláveis efeitos das mudanças climáticas, que tendem a acentuar-se em frequência e agressividade com o tempo. Diante da realidade do aquecimento global expressa nas tragédias deste ano em São Sebastião (SP), Petrópolis (RJ) e Vale do Taquari (RS), o recente mapeamento emite um significativo alerta sobre a urgência de os municípios brasileiros removerem populações de zonas vulneráveis e de risco já declarado. A negligência do poder público, neste caso, será contabilizada em vítimas de desastres perfeitamente evitáveis.

 

O estudo do MapBiomas expõe o quadro indigno e inaceitável da ausência de planejamento da expansão urbana no País entre 1985 e 2022. As ocupações humanas avançaram aceleradamente sobre territórios que deveriam estar interditados pelas prefeituras à população, se os termos da Lei de Parcelamento do Solo, de 1979, tivessem sido minimamente cumpridos ao longo dos anos.

 

No período avaliado, entretanto, aumentou em 47%, para 425 mil hectares, a presença em áreas na beira de rios, altamente vulneráveis a inundações. A ocupação em declives acentuados, naturalmente ameaçada por deslizamentos, cresceu cinco vezes em 37 anos. A área já declarada como de risco sofreu expansão de 2,8 vezes desde meados dos anos 1980. Ao atingir 123 mil hectares, no ano passado, correspondeu a 3% da malha urbana do País.

 

Como se poderia imaginar, o MapBiomas constatou nas favelas a ocorrência de ocupação mais desenfreada sobre áreas de risco. Do território total dessas comunidades densamente povoadas, 18% impõem perigo iminente a seus moradores. Quando considerado também que cerca de 5% da expansão urbana no País desde 1985 deu-se em favelas, torna-se flagrante a negligência das três esferas de governo em proporcionar moradia e condições dignas de vida aos brasileiros ali residentes e em cumprir a lei.

 

O crescimento desordenado das cidades brasileiras responde pela omissão do poder público ao longo de muitas décadas anteriores aos anos 1980. O inchaço das capitais e grandes cidades, até então, deixou um rastro de mazelas não resolvidas, que se acumulou aos desafios de um processo de urbanização acelerado nas últimas quatro décadas ainda hoje não enfrentados. A conta está em haver. Como alerta o MapBiomas, se em 1985 houve um desastre a cada quatro hectares urbanizados no Brasil, em 2022 essa proporção aumentou cinco vezes. Há risco de tragédia em cada hectare.

 

O fator climático, agora, não deixa nenhuma fresta para mais negligência sobre a ocupação de áreas vulneráveis e de risco. Ao contrário, cobra urgência na adoção de soluções urbanísticas eficazes e na aplicação da lei. Uma escalada de tragédias ambientais, vislumbrada para um futuro bem próximo, precisa ser ceifada o quanto antes e pela raiz.

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