Cada um por si
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Merval Pereira / O GLOBOO Presidente Lula nunca foi cauteloso em suas falas mas, sobretudo em momentos delicados, tinha a preocupação pontual de se conter em situações que poderiam colocar em risco a política econômica de seus governos. No primeiro mandato, contido pelo então ministro da Fazenda Antônio Palocci, conseguiu reverter uma situação delicada mantendo o objetivo de equilíbrio fiscal. No terceiro mandato, parecendo convencido de que tem o direito de dizer o que quer na hora que bem deseja, Lula anuncia ao mundo que seu governo não tem nenhum compromisso com o fim do déficit fiscal.
Ele nem sequer adiou a meta, defendida com unhas e dentes pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Já se sabia que Haddad enfrentava fortes barreiras dentro do próprio PT, mas esperava-se que tivesse o apoio de Lula. Com a declaração do presidente em uma coletiva para cerca de 40 jornalistas brasileiros, Lula boicotou seu próprio programa de governo, baseado em promessa inexequível de zerar o déficit público.
Embora inexequível, era importante que a meta fosse mantida para que houvesse boa vontade do Congresso e do empresariado, e demonstrar que o objetivo seria a base da ação do governo como um todo. Da maneira que o presidente coloca as coisas, cortar investimentos prejudica a economia, abandonar a meta de equilíbrio fiscal, não. Não é assim que a banda toca.
Ao anunciar que não pretende se empenhar pelo déficit que ele mesmo assumiu como compromisso do seu governo, Lula perde a credibilidade que porventura ainda tenha, e desautoriza o ministro da Fazenda, fingindo que não sabe que as expectativas econômicas influem nos preços e nos resultados. Sua palavra dá respaldo a um grupo do PT, em que se destaca a presidente do partido Gleisi Hoffman, que não acredita em contenção de despesas, mas sim que “gasto é vida”, como já ouvimos a então presidente Dilma Rousseff falar em seu malfadado governo.
Ao mesmo tempo, abre-se um espaço amplo para que o Centrão, que gosta de um gasto para aumentar seu poder de influência no eleitorado, aprovar pautas bombas como se fossem incentivos ao desenvolvimento do país. Gastos aleatórios do orçamento secreto não levam a nenhum progresso, a não ser o dos “coronéis” políticos. O problema maior do país é que ninguém atua em benefício do coletivo, mas do seu próprio, ou de seu grupo político.
O governo ajuda o PT, majoritário no Executivo e minoritário no Legislativo. O Centrão trabalha para ampliar seus espaços, o que tem conseguido com êxito nos últimos governos. Quem se espantou com a rapidez com que o Centrão engoliu o governo Bolsonaro, deve estar mais espantado com a rapidez maior ainda com que alcançou seus objetivos num governo de esquerda, menos de um ano depois da posse.
Os populistas da esquerda unem-se aos da direita com o objetivo de tirar do governo a maior parte do butim possível, como por exemplo no aumento pretendido dos fundos Partidário e Eleitoral; e dividem-se para gastar as verbas orçamentárias de ministérios, autarquias e bancos oficiais, cada qual querendo uma parte maior. Não há como dar certo um governo dividido de tal maneira, sem que haja um objetivo comum que una as forças políticas de um suposto governo de união nacional.
Lula seria o árbitro para que essa mistura heterogênea desse certo, mas acaba de dar um tiro certeiro no único ministério que tem um projeto, embora não totalmente confiável. O esforço do ministro Fernando Haddad é louvável, mas se ficar aparente o que todos desconfiavam, que não tem o controle do partido como tinha Palocci, não adianta que seja a parte mais modernizadora do partido. Talvez por isso mesmo, esteja sendo alijado.