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A PERSISTÊNCIA DA FOME

Por Notas & Informações / o estadão

 

Em 2023, a Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) será dedicada à fome. É uma resposta à calamidade que se disseminou após a recessão, a pandemia e a guerra na Ucrânia. Mas tanto quanto essa escalada é dolorosa, é vergonhosa a resiliência da fome. É a terceira vez, desde 1975, que a Campanha da CNBB se vê obrigada a apelar aos corações e mentes dos brasileiros contra a fome.

 

Em uma teoria bastante popular sobre o desenvolvimento pessoal, o psicólogo Abraham Maslow sugere uma hierarquia com três escalas de necessidades. Primeiro, as fisiológicas: comida, água, abrigo, repouso. Depois, as psicológicas: pertencimento, amor, estima. Finalmente, as espirituais: a satisfação de todo potencial e criatividade individual. Em que pesem as matizações a esquemas como esse, é intuitivo que um indivíduo não pode se motivar plenamente para realizações mais elevadas enquanto estiver lutando pela mera subsistência.

 

O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, em que 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 100 milhões ao esgoto. Nos últimos sete anos a fome dobrou e, segundo a ONU, fustiga 15,4 milhões de brasileiros.

 

A fome choca por três paradoxos: primeiro, o de um país que é, a um tempo, “celeiro do mundo” e curral de famélicos; segundo, entre a quantidade de comida que falta nos pratos e a que apodrece nos lixos – o Brasil desperdiça um terço de seus alimentos –; terceiro, o de uma escalada da fome concomitante a uma escalada da obesidade. Mais do que contradições insolúveis, esses fatos refletem um contraste entre a carência e a abundância que pode ser solucionado se reduzindo a distância entre os extremos, no primeiro caso, com mais renda; no segundo, com mais inteligência; no terceiro, com mais solidariedade.

 

O Estado tem a função de garantir condições para o crescimento econômico, e, logo, ao melhor remédio contra a fome: o emprego. Mas respostas emergenciais são indispensáveis através do robustecimento e racionalização de programas assistenciais. A cadeia de produtores, vendedores e consumidores de alimentos tem o desafio de buscar soluções para reduzir o desperdício.

 

Sem prejuízo disso tudo, é preciso cultivar a filantropia. Isso está ao alcance de cada um, se não doando dinheiro, doando tempo; se não para instituições filantrópicas, ajudando o próximo em agonia. Segundo o World Giving Index, desde a pandemia o Brasil subiu da 54.ª para a 18.ª posição no ranking de filantropia. Mas claramente isso ainda não foi suficiente. Ainda há para cada brasileiro um imenso potencial inexplorado para satisfazer a maior de todas as realizações humanas: o amor ao próximo.

 

Há que se indignar com os fracassos do Estado: os cidadãos dão seus votos e recursos para que seus direitos sejam satisfeitos, e o mais importante é o direito à vida digna. Enquanto houver uma só vida ameaçada pela fome, é preciso cobrar. Mas a indignação não encherá a barriga do seu próximo aqui e agora. A esperança no Estado é justa, mas, parafraseando um apóstolo, a esperança sem obras é morta.

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