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Populismo de Lula pode ser projeto de longo prazo com alto custo social

Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?' folha de sp

Lula tem adotado uma postura política coerente com o que a literatura chama de "populismo", caracterizado por líderes que se dizem representantes e defensores do "povo", em contraposição à "elite", insensível e gananciosa. Exemplo típico está em falas como: "Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país? (...) Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro".

A estratégia de "nós contra eles" tanto pode ser usada por políticos de esquerda, que enfatizam questões econômicas, quanto por de direita, que focam questões culturais e religiosas, a exemplo do que vimos com Bolsonaro.

Populistas usualmente têm maior tolerância com a inflação e geram déficits fiscais insustentáveis. São nacionalistas e protecionistas, bloqueando os ganhos de comércio internacional e subsidiando empresas nacionais por eles escolhidas. Os discursos e ações de Lula têm se encaixado nesse perfil.

Analistas questionam em que momento haveria mudança de postura, considerando que manter essa rota resultaria em uma crise econômica que custaria a Lula e ao PT a derrota na próxima eleição. Em "Populist Leaders and the Economy" (Funke e coautores, 2020) questionam a ideia de que desastres econômicos tiram os populistas do poder.

O artigo analisa um banco de dados com quase 1.500 líderes nacionais, desde 1900, classificando-os em populistas ou não populistas. Utilizando técnicas estatísticas bem estabelecidas, mostram que, após 15 anos da chegada ao poder de um líder populista, de esquerda ou de direita, a renda per capita é 10% mais baixa em relação a um cenário contrafactual, em que não houvesse uma liderança populista.

Apesar do grande e duradouro estrago econômico, é comum que líderes populistas sobrevivam no poder por uma década ou mais. Em média, ficam oito anos no poder, ante quatro dos não populistas. E têm maior probabilidade de retornar posteriormente, para novos mandatos.

A opção pelo populismo parece politicamente racional. Ainda que de alto custo econômico e social.

Um exemplo da resiliência política do populismo está no peronismo. Desde que Perón chegou ao poder na Argentina, em 1946, as políticas por ele inspiradas têm provocado decadência econômica. Apesar disso, o peronismo se mantém como a principal força política daquele país há oito décadas. Renasceu após a ditadura militar e sobreviveu à hiperinflação.

As relações de clientela criaram fidelidade política, tornando-se máquinas de gerar votos. A culpa pelos problemas econômicos sempre pode ser colocada em um bode expiatório: o FMI, as elites, o imperialismo internacional, a sabotagem da oposição, o Banco Central.

Se na Argentina a estratégia de poder "deu certo", por que não daria no Brasil? Talvez esse seja o cálculo de Lula.

Segundo dados do Maddison Project Database, quando Perón chegou ao poder, a Argentina tinha a 9ª maior renda per capita. Superava, por exemplo, França, Bélgica, Noruega e Países Baixos. Em 2018, havia descido para a 64ª posição. A renda per capita caiu do equivalente a 57% da dos EUA, em 1947, para 34%, em 2018. Entre 1950 e 2018, cresceu apenas 133%, ante 354% da média mundial: 115ª colocada entre 145 países.

Os custos econômicos e sociais de uma estratégia populista seriam ainda maiores para o Brasil. Por ter começado o seu processo de destruição econômica a partir de uma renda muito alta, a Argentina teve gordura para queimar. A despeito do longo declínio, sua renda per capita ainda é 46% maior que a brasileira. Nunca fomos ricos, eles sim.

Os indicadores econômicos e sociais da Argentina são muito melhores que os nossos. Eles estão em 47º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, e nós, em 87º. Têm mais escolaridade, menos analfabetismo, menos pobreza, maior expectativa de vida. A desigualdade na Argentina é alta, porém menor que a nossa: entre 108 países na base de dados do Banco Mundial, estamos em 6º no ranking, e eles, em 18º.

Embarcar em um peronismo à brasileira terá custo socioeconômico alto e persistente.

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