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A fotografia do descaso

Levantamento da Confederação Nacional de Municípios aponta que há mais de 6.900 obras paradas no País, ao custo de R$ 9,3 bilhões. O orçamento secreto, aprovado pelo Centrão com o apoio de Bolsonaro, tende a aumentar as paralisações

A fotografia do descaso

POSTO DE SAÚDE Obras para ampliação do posto de saúde em Capitólio (MG)

Ana Viriato

DENÚNCIA Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, denuncia que quase sete mil obras públicas estão paradas em todo o País (Crédito:Alan Marques)

Cravado no Norte do Paraná, o município de Jacarezinho sintetiza o problema endêmico da descontinuidade de obras federais no País. Na pacata cidade, que abriga 39.268 pessoas, a população aguarda há mais de uma década pela conclusão do sistema de esgoto. As benfeitorias foram planejadas para atender um bairro onde moram mais de 2 mil pessoas, com a construção de uma estação de tratamento. A papelada saiu em 2009, mas a obra se arrasta desde então. “Quando cheguei, em 2020, esse caso existia já havia muito tempo. O principal problema era que o governo federal simplesmente não pagava. Foi muito difícil negociar”, explica o prefeito Marcelo Palhares.

O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Wagner Rodelli Bergamaschi, conta que as obras ficaram totalmente paralisadas por mais de sete anos em razão da falta de repasses. Em meio ao imbróglio, três empresas chegaram a rescindir o contrato. Após muitas cobranças, no final do ano passado, a Funasa liberou a verba de R$ 1,3 milhão necessária para a conclusão do sistema. A construção, no entanto, ainda deve levar mais quatro meses. E esse não é o único trabalho paralisado no município. A Prefeitura aguarda há dois anos R$ 350 mil do FNDE para retomar a reforma de uma escola rural. “Com o passar do tempo, as obras que são iniciadas e não têm conclusão vão se deteriorando. Alguns materiais são roubados, e o município acaba tendo de tirar mais dinheiro do bolso do que o previsto”, pontua Bergamaschi.

Jacarezinho (PR) obra parada desde 2019

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ESCOLA Reforma de uma escola rural em Jacarezinho, no Paraná, está paralisada há três anos (Crédito:Divulgação)

Esses são exemplos de uma lista de 6.932 intervenções que, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), estão com o status de “paralisadas” no País — a classificação contempla contratos estão há mais de 180 dias sem movimentação. O investimento total nelas soma R$ 9,32 bilhões. As três mais caras, que totalizam R$ 11,9 milhões, estão localizadas no Sul e Sudeste. São voltadas, por exemplo, à recuperação de pistas da aviação civil e de estradas vicinais, que ligam o setor rural ao centro dos grandes municípios. “Vemos o caso com preocupação porque as paralisações resultam em pessoas sem lugar para morar, crianças sem um ginásio para educação física, cidadãos sem acesso à saúde e sem saneamento básico”, destaca o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski.

Bahia – BA obra parada em Itatim

INACABADA Governo não concluiu a creche no município de Itatim (BA), iniciada há um ano (Crédito:Divulgação)

É o caso de São Martinho da Serra (RS), onde uma obra de saneamento autorizada em 2019 ao custo de R$ 5 milhões está longe de acabar. Em quase três anos, apenas 19,78% dela foi concluída. O problema, segundo o engenheiro da prefeitura Guilherme Ceretta, é que, para a construção andar, a primeira parte da intervenção, concluída em dezembro de 2020, precisa passar pelo crivo de um profissional da Funasa — cabe a ele atestar o andamento para liberar mais parcelas. “No final do ano passado, o superintendente nos informou que estava prevista uma força-tarefa de fiscalização e que, se ocorresse, o município estaria no roteiro. Entramos em contato algumas vezes este ano e a resposta é sempre a mesma.”

Goianápolis – GO obra parada ainda nos alicerces

HOSPITAL Governo não finalizou as obras de ampliação do Hospital Municipal de Goianópolis (GO) (Crédito:Divulgação)

A responsabilidade pelos entraves, segundo a CNM, não tem cor ou partido político. Contudo, as paralisações tendem aumentar em decorrência do orçamento secreto, impulsionado pelo governo Bolsonaro em parceria com o Centrão. Isso porque, além de tomar dinheiro que poderia ser usado para concluir intervenções já em andamento, as emendas de relator (sem transparência ou critérios claros) são usadas para beneficiar aliados do Planalto com o início de novas obras, ainda que não haja recursos suficientes para entregá-las. Prova disso é que, em 2020 e 2021, quase metade dos recursos direcionados à Codevasf, criada para apoiar o desenvolvimento de regiões pobres no Nordeste, partiram dessas emendas. O órgão, claro, passou a ser usado como palanque eleitoral.

Ainda assim, o problema não pode ser colocado apenas sob a responsabilidade da União. Um caso registrado em Goianápolis, em Goiás, ilustra isso. O prefeito Jeova Leite Cardoso afirma que para destravar as obras de uma escola teve de tirar R$ 600 mil da conta municipal. O motivo: o antecessor, Chiquinho, teria deixado o convênio da construção vencer. “O dinheiro enviado pela União estava parado em caixa, mas eu não poderia mais usá-lo porque o convênio já tinha parado no TCU. Agora, vamos negociar para tentar aplicá-lo em outra obra”, narra. ISTOÉ tentou contato com Chiquinho, mas não obteve retorno. Há inúmeras falhas que levam o País a esse descalabro. Os municípios sofrem com problemas de capacidade técnica e dificuldades de operacionalização, por exemplo. No final, apenas a população que precisa do serviço público sofre — e, é preciso ressaltar, paga. 

Ana Viriato / istoé  06.05.22

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