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Sem máscaras e com aglomerações, Eurocopa deixa lições sobre o retorno do público aos estádios

estadios na eurocopa

Ao replanejar a edição especial de 60 anos da Eurocopa, adiada em doze meses por conta da pandemia, a Uefa condicionou a confirmação das cidades-sede à liberação de público nos estádios. A medida, que satisfez parte dos anseios econômicos da entidade, resgatou a pulsação que havia abandonado as arenas. Mas enquanto torcedores festejam ou lamentam a sorte de suas seleções dentro de campo, o vírus mostra que vence os protocolos de goleada.

Embora outros eventos já tivessem acontecido com a presença de público ao redor do mundo, nenhum deles teve a magnitude desta Euro, disputada em 11 países e com trânsito quase irrestrito pelo continente. Para sustentar essa ambição, a Uefa estabeleceu regras claras, dentre as quais a obrigatoriedade do uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social nas arenas; a necessidade de realização de um teste rápido para detectar a Covid-19 no dia das partidas; e a entrada em turnos para evitar superlotação nos acessos. Em vão.

A distância entre teoria e prática ficou clara tão logo os portões se abriram: foi difícil encontrar quem usasse máscara durante o torneio, cuja final entre Inglaterra e Itália, no domingo, será testemunhada por 65 mil pessoas em Wembley. E aglomerações nas arquibancadas se tornaram comuns.

— Não dá para esperar um comportamento diferente. A partir do momento em que se libera uma aglomeração, a população se sente à vontade para estar sem máscara. Existe um relaxamento natural — explica o médico infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Os testes rápidos na data dos jogos também têm efeito limitado, pois desconsideram o período de incubação do coronavírus.

— Mesmo no PCR, padrão ouro para diagnosticar a infecção, a positividade é maior depois de dois, três dias do aparecimento de sintomas. Nos assintomáticos, você sequer tem esse parâmetro. Então, que garantia há de que o torcedor não está infectado? Nenhuma — completa Weissmann.

Italianos se reuniram para acompanhar semi contra a Espanha na Praça do Povo Foto: GUGLIELMO MANGIAPANE / REUTERS
Italianos se reuniram para acompanhar semi contra a Espanha na Praça do Povo Foto: GUGLIELMO MANGIAPANE / REUTERS

Várias frentes

Abrir as portas dos estádios causa um impacto além das arquibancadas. Significa, por exemplo, um estímulo a congregações em bares antes e depois dos jogos —como as celebrações de milhares de pessoas que tomaram as ruas de Roma após as vitórias da Itália — ou a intensificação do trânsito em aeroportos e estradas. No caso da Euro, tudo isso se dá num momento em que a variante Delta, severamente contagiosa, faz subirem os números de casos e internações, mesmo em países onde a vacinação contra a Covid está mais adiantada.

É impossível quantificar com exatidão o impacto numérico da Euro nas curvas da pandemia. Seria necessário um rastreamento hipersofisticado para chegar a uma estimativa confiável. E a flexibilização do público se dá em meio a outros relaxamentos. Mas os ônus de sua realização são patentes em exemplos dos últimos dias: São Petersburgo viu o número de casos subir durante o torneio; mais de 300 finlandeses testaram positivo após uma viagem para ver um jogo na cidade russa; e o equivalente escocês ao Ministério da Saúde contabilizou cerca de dois mil casos relacionados à Euro, entre torcedores que foram a Londres acompanhar uma partida em Wembley e aqueles que se aglomeraram em bares ou áreas de torcida.

— Temos de olhar além dos estádios. Precisamos ver como as pessoas chegam lá, será que viajam em grandes trens e ônibus lotados? E quando saem, vão a bares para assistir aos outros jogos? — reflete Catherine Smallwood, autoridade da OMS responsável pelas situações de urgência.

Recomendação de distanciamento foi ignorada por torcedores na Eurocopa Foto: MATTHIAS HANGST / REUTERS
Recomendação de distanciamento foi ignorada por torcedores na Eurocopa Foto: MATTHIAS HANGST / REUTERS

Positiva ou não, a experiência da Uefa servirá de espelho. Para Jorge Pagura, presidente da Comissão Médica da CBF, o passo dado na Eurocopa, com estádios recebendo até 65 mil torcedores, foi “temerário”.

— A Europa entrou na euforia da vacinação acelerada e dos números mais baixos, mas foi exagerado. Países como a Inglaterra podem se arrepender — pondera ao GLOBO o médico, à frente de estudos para viabilizar o retorno do público no Brasil. — Vamos aprender com eles para não repetir os erros.

Outras variáveis

Weissmann destaca que o retorno do público às arenas deve acontecer somente quando os indicadores mais relevantes — números de casos, internações e mortes — estiverem perto de zero. Além disso, é preciso atingir uma porcentagem mais robusta de imunização completa, ou seja, com as duas doses, o que não era a realidade da Europa no início do torneio. Ainda assim, haverá ressalvas a considerar.

— Pode-se ter 70%, 80% de vacinados, mas este vírus tem uma grande capacidade de sofrer mutações, então, é preciso também analisar o comportamento das variantes — diz o infectologista.

O agravamento na pandemia não freou os planos da Uefa, mas já afetou a organização de Tóquio-2020. Para o Brasil, o retorno parece distante, mas o recado é claro: qualquer flexibilização tem seu preço. A da Europa foi cedo e grande demais.

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