Busque abaixo o que você precisa!

Gincana da vacina - O ESTADO DE SP

O Estado de S.Paulo

24 de junho de 2021 | 03h00

A suspensão da vacinação contra covid-19 em São Paulo na terça-feira, por falta de imunizantes, expôs uma inaceitável confusão a respeito de um dos mais delicados aspectos da pandemia. Seja qual for a razão do contratempo enfrentado pelos paulistas, fica claro que autoridades municipais, estaduais e federais alimentaram as expectativas dos maltratados cidadãos a respeito da tão necessária vacinação sem que suas promessas tivessem total respaldo na realidade. Não é assim que se faz política pública, ainda mais num momento grave como esse, em que é preciso conquistar a confiança da população para convencê-la a aderir à campanha para conter uma pandemia mortal.

Nas últimas semanas, governos de diversos Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Maranhão, anunciaram sucessivas antecipações na vacinação. O governo paulista, por exemplo, chegou a informar que esperava vacinar todos os adultos até setembro, e não mais até o fim do ano, como anteriormente previsto.

Tudo isso ajudou a criar um clima de otimismo, depois de mais de um ano de sofrimento e sacrifício, com mais de meio milhão de mortos, um sistema de saúde estressado e uma economia abalada. O problema é que nada autorizava esse otimismo.

O Ministério da Saúde, que compra e distribui as vacinas, vem há tempos alterando, para menos, a quantidade de imunizantes que promete entregar, seja por atraso de laboratórios, seja pela falta de insumos para a produção local. Já deveria estar claro que os números do cronograma divulgado pelo Ministério da Saúde são, no mínimo, duvidosos.

Por isso, é imprudente não somente acreditar nesses números, como anunciar a antecipação da vacinação, como se os imunizantes prometidos pelo Ministério da Saúde estivessem garantidos.

Sabe-se que há uma disputa política feroz entre alguns Estados e o governo federal, provocada pela percepção do presidente Jair Bolsonaro de que os governadores são seus inimigos, e essa disputa tem contaminado dramaticamente o planejamento do combate à pandemia em todas as esferas da administração pública.

O presidente Bolsonaro tudo fez e faz para sabotar os esforços dos Estados e municípios para conter a pandemia, jogando governadores e prefeitos contra a população ao responsabilizá-los por todas as suas agruras. Ademais, Bolsonaro trabalhou com afinco para adiar o quanto pôde a aquisição de vacinas, e só as aceitou após forte pressão do comando do Congresso. Mesmo assim, continua a disseminar dúvidas sobre os imunizantes.

Enquanto isso, os governadores tiveram que lidar não somente com a pandemia, mas com a crescente impaciência de seus governados com as restrições de movimento e com a falta de vacinas. Por isso, quando a vacina surgiu e estava ao alcance, sobretudo graças aos esforços do Instituto Butantan e do governo paulista, tornou-se naturalmente uma arma política, usada por governadores para mostrar serviço, como contraponto à inércia criminosa do governo federal.

Assim, a “gincana da vacina” que se verificou nas últimas semanas em vários Estados, numa disputa para ver quem imunizava mais, pode muito bem fazer parte desse embate político, pois pressiona o Ministério da Saúde a entregar os imunizantes conforme seu cronograma – aquele que muda a cada dia, quase sempre para pior.

Diante disso, parece claro que o calendário de vacinação foi transformado em ativo eleitoral contra Bolsonaro, pois é óbvio que a sensação de alívio com a imunização tem grande potencial de gerar votos. Nesse embalo, São Paulo relaxou parte das medidas de restrição – e depois voltou atrás – e o Rio de Janeiro anunciou que pretende fazer o carnaval no ano que vem, como se o País estivesse se encaminhando alegremente para a normalidade.

Não está. A média móvel de casos subiu 26%, atingindo o maior nível desde março. A média móvel de óbitos continua em torno de 2 mil por dia, um número que deveria envergonhar todos. No Estado de São Paulo, a ocupação de leitos de UTI para covid-19 ainda é de quase 80%.

Diante disso, seria muito bom que o calendário de vacinação pudesse ser antecipado. Mas, até agora, o único calendário antecipado, de fato, foi o eleitoral.

Compartilhar Conteúdo

444