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Prevenção das doenças infecciosas

Ruy Altenfelder, O Estado de S.Paulo

28 de maio de 2021 | 03h00

Na última década o mundo observou a reincidência de doenças até então erradicadas por campanhas de vacinação em massa, apoiadas por políticas públicas de saúde – o surto de gripe aviária, em 2005, que infectou pessoas no Vietnã, na Tailândia, na Indonésia e no Camboja; o recente ressurgimento de ebola na República Democrática do Congo, que já havia sido cessado em novembro de 2020; a volta da febre amarela no Brasil; além do reaparecimento de poliomielite e sarampo, respectivamente erradicados em 1989 e 2016 no Brasil.

Todas essas ocorrências, consideradas doenças infecciosas emergentes e reemergentes, nos mostram a necessidade de darmos mais atenção ao tema, especialmente num período pandêmico, em que os sistemas de saúde estão sobrecarregados. Diversos fatores devem ser considerados para o aumento da incidência dessas patologias nas populações: o surgimento ou identificação de novos problemas de saúde, novos agentes infecciosos, a mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, além da disseminação de desinformação de movimentos antivacina.

No Brasil, grande parte das condições que favorecem a emergência e reemergência das doenças infecciosas e parasitárias está relacionada a fatores sociais, políticos, demográficos, econômicos e ambientais. Ou seja, é urgente que se discutam os desafios postos à saúde pública, bem como o reforço e a revalorização da vigilância epidemiológica. Em paralelo, em tempos como o que estamos vivendo, são as desigualdades sociais as primeiras a ser explicitadas em âmbito global quanto ao maior risco de exposição a doenças e menores condições de acesso a tratamentos.

Olhando para trás, as grandes epidemias e os surtos enfrentados e superados globalmente transformaram as sociedades. No Rio de Janeiro, em 1904, quando a então capital federal era constantemente vitimada por surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose, a nova regulamentação de vacinação obrigatória, somada às condições precárias do sistema de saúde e política de sanitarista da época, culminou na convulsão da população numa manifestação que ficou historicamente conhecida como a Revolta da Vacina. Historiadores argumentam que não foi apenas a obrigatoriedade da vacina que motivou os protestos, mas, sim, uma entre várias medidas que visavam a disciplinar a população mais pobre, erradicando-a das áreas centrais.

Como desdobramento, a lei foi modificada e a utilização da vacina tornou-se opcional, mas a forma como o Brasil passou a lidar com a saúde pública e sua comunicação voltada para a conscientização da população nunca mais foram as mesmas. A utilização de vasto material informativo, como cartazes, folhetos e manuais; a adesão de celebridades às campanhas em TV e rádio; a criação dos dias nacionais de vacinação e do personagem Zé Gotinha; tudo isso foram novas formas encontradas pelo País de promover a vacinação e erradicar as doenças infecciosas da época.

Hoje, grandes e notórios passos já foram dados no que diz respeito à pesquisa brasileira. Estamos entre os 15 maiores produtores de ciência do mundo e nas áreas relacionadas às doenças infecciosas somos um dos primeiros. O mineiro Vital Brazil, que fundou o aclamado Instituto Butantan (São Paulo), que este ano comemorou 120 anos, liderou o combate a diversas doenças, como febre amarela, cólera, varíola e peste bubônica. Foi pioneiro nas pesquisas e na produção de soros específicos contra veneno de animais peçonhentos.

Referência em pesquisa biomédica, o instituto é o principal produtor de imunobiológicos no Brasil, além ser o responsável por grande porcentagem da produção de soros hiperimunes e pelo grande volume da produção nacional dos antígenos vacinais que compõem as vacinas utilizadas no Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde.

Atualmente, o Instituto Butantan dedica-se à produção da vacina contra a covid-19 e, até o momento, já entregou 22,6 milhões de doses do imunizante Coronavac, produzido em parceria com o laboratório chinês Sinovac.

E será neste segundo ano de pandemia de covid-19, período em que o Brasil vive um colapso do sistema de saúde, recordes de mortes diárias e nas médias móveis de transmissão da doença, que a Fundação Bunge homenageará profissionais da área das Ciências Biológicas, Ecológicas e da Saúde, especificamente os dedicados à prevenção de doenças infecciosas, um dos temas contemplados pela 65.ª edição do Prêmio Fundação Bunge.

Hoje, com o País em isolamento em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus, ignorar a gravidade da situação ou aumentar seu risco pode ser fatal. Como previu o Nobel escocês de Economia Angus Deaton em seu livro A Grande Saída, de 2013: “Mais de uma vez na História da humanidade a razão e a ciência provaram ser as armas mais apropriadas e, no fim das contas, bem-sucedidas no combate a inimigos invisíveis”. É preciso valorizar o trabalho da saúde pública, das pesquisas, dos cientistas e dos profissionais da Saúde.


CURADOR DOS PRÊMIOS FUNDAÇÃO BUNGE, É PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA-FIESP)

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